Dizem que aqueles que não conhecem o passado estarão condenados a repeti-lo.  O aforismo é da autoria de George Santayana um filosofo do século 20. Não será preciso então muito recuar, para nos munirmos desta sabedoria. O problema é que a memória humana é seletiva e tendenciosa. Com o tempo os factos deturpam-se, os números confundem-se e os valores turvam-se. Não é então de admirar, que apesar do seu passado militante, alguns se esqueçam que não, nem sempre foi assim. Ora vejamos.

Antes de 1899 a prestação de cuidados de saúde era de exclusiva natureza privada competindo ao Estado apenas a assistência aos pobres. Algumas décadas mais tarde, em 1945 por ação de um subsecretário de estado são criados institutos dedicados a problemas específicos como a tuberculose e a saúde materna e um ano depois a rede hospitalar começa a ser construída. Ou seja, não, nem sempre foi assim…

O ministério da saúde é criado em 1958 e as carreiras estruturadas em 1968 através do Regulamento Geral dos Hospitais. A garantia do direito à saúde é reforçada pelo decreto-lei 413/71 e a função dos diversos profissionais organizada no decreto seguinte.  Fala-se pela primeira vez de uma política de saúde aliada a uma política social. Ou seja, não, nem sempre foi assim…

Em 1976 a recém-aprovada Constituição consagra o direito à proteção da saúde e em 1979 nasce o Serviço Nacional de Saúde com a missão de assegurar a universalidade, generalidade e gratuitidade de cuidados de saúde a todos que deles necessitem. A restante história já terá sido vivida pela maioria dos leitores e inclui a criação da rede de cuidados de saúde primários, a comparticipação de medicamentos e a rede nacional de cuidados paliativos. Ou seja, não, nem sempre foi assim…

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Dizer que sempre assim foi é uma enorme injustiça para com todos que criaram e aperfeiçoaram algo que precede a própria democracia em Portugal. Dizer que sempre assim foi demostra um imobilismo indesculpável, uma preguiça imperdoável e uma cobardia injustificável. Houve um tempo onde a medicina prometia uma carreira, uma posição social e uma existência digna da sua responsabilidade. Houve um tempo onde as maternidades estavam abertas, as urgências asseguradas e os profissionais eram ouvidos. Por isso não, nem sempre foi assim.

Excluindo os anos da pandemia o número de horas suplementares mais que duplicou entre 2014 e 2023. No maior hospital de Lisboa, só em Agosto a média de horas trabalhadas por cada médico ultrapassou o limite anual estabelecido por lei. E se é certo que durante muitos anos os hospitais funcionaram a boa vontade, também é verdade que não estavam sujeitos à pressão assistencial, aos constrangimentos de recursos humanos e à concorrência de unidades de saúde privadas que hoje aguentam. Por isso não, nem sempre foi assim.

Quem nos antecedeu deixou um brilhante, mas pesado legado. Temos por isso um serviço de saúde do qual nos podemos orgulhar. As manifestações que hoje vemos são um grito de bravura e não um suspiro de desistência. O que hoje fizermos poderá não passar de mais um apontamento na história desta nobre instituição ou então poderá marcar o seu fim.  Se assim for, espero que se esqueçam do passado para que o possamos repetir. Porque como vimos, não, nem sempre foi assim; e ainda bem.