Desde que começou a presente pandemia, escrevi aqui pouquíssimo sobre a coisa e fiquei sempre num grande nível de generalidade. Que me lembre, limitei-me a algumas considerações sobre a fragilidade dos indivíduos e das sociedades. O tema da fragilidade humana é um tema importante do cristianismo, desde os seus princípios (o filósofo Jean-Louis Chrétien dedicou-lhe, não há muitos anos, um interessante livro, intitulado, justamente, Fragilité), embora sob muitos aspectos, e sob outra forma, a filosofia grega o antecipe. E a questão da perecibilidade das instituições, bem como das sociedades como um todo, é, quase se poderia dizer, o problema central da filosofia política. É verdade que também disse uma coisa ou outra sobre o modo como o governo e a DGS – partindo do princípio que se pode verdadeiramente aqui estabelecer uma distinção entre as duas entidades – lidaram e lidam com a pandemia, mas não de uma forma minimamente desenvolvida.
Sobre a controvérsia central que agita as cabeças pensantes, ou, pelo menos, falantes, não escrevi nada, embora julgue perceber os motivos fundamentais das duas escolas de pensamento que disputam a atenção pública.
Por um lado, temos as várias pessoas – muito diferentes entre si, diga-se de passagem – que encaram várias das medidas “securitárias” dos governos não apenas como inúteis, ou até contraproducentes (creio que é o ponto de vista de alguém que vale sempre a pena ler, Henrique Pereira dos Santos), mas também como orientadas por um motivo próprio e em parte inconfessável: a apetecível extensão do domínio do Estado sobre os indivíduos e o concomitante desprezo pela tradição da liberdade individual. Entre nós, é sobretudo Alberto Gonçalves que tem insistido neste ponto de vista (José Manuel Fernandes em parte também), mas não faltam outros autores que igualmente o sublinham, como, por exemplo, Johan Norberg ou, num livro que a Guerra & Paz fez o favor de publicar em português, Bernard-Henri Lévy (Este vírus que nos enlouquece). Como disse, sou sensível a este tipo de argumentos, embora, no caso de Lévy, eles apareçam, como é habitual com o autor, envoltos numa retórica que é a do “detestável Eu”, para falar como Pascal, que ele cita, um “detestável Eu” vestido de fúria e indignação. É como se ele não conseguisse dar um passo na direcção certa sem, por um vôo retórico, dar um passo seguinte que vai longe demais. A partir de uma certa altura é o tom que conta, não o conteúdo. E poderia, é claro, fazer entrar nesta lista as posições delirantes de alguém como Giorgio Agamben, entre muitos outros, mas não quero confundir tudo e misturar aqueles que prestam atenção ao real com aqueles que encontram no real uma mera oportunidade para, forçando as coisas, o apresentar como a prova concludente das suas posições filosóficas.
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