O mundo sempre foi machista e matriarcal. É claro que ninguém, no seu bom senso, pretende que uma clivagem como essa se perpetue. Porque não é justa! Até porque, amparada por barreiras jurídicas, permitiu que se instituísse, de forma obscena, a existência de um “sexo forte” e de um “sexo fraco” que legitimou práticas que nos envergonham a todos. Mas é também verdade que hoje, na ânsia de se lutar contra um sexismo que discriminou e discrimina as mulheres, se escorregará, algumas vezes, para um populismo sexista que transforma, invariavelmente, os homens nos “vilões da história”. E é por isso que, quando se fala da divisão de tarefas domésticas, como aconteceu num estudo recente da Visão e do IKEA, não deixa de ser curioso que a maioria dos inquiridos a tenham considerado justa.

Comecemos pelo princípio: os rapazes e as raparigas não são iguais. E a identidade de género não é uma discriminação da Natureza. Não tem de ser. Os rapazes e as raparigas nascem diferentes. E são diferentes na forma como apreendem a realidade, como a sintetizam ou como se manifestam nela. É claro que a estas particularidades se acrescentam formatos educativos que, às vezes, acentuam as diferenças e que, às vezes, as esbatem. Sem que, contudo, homens e mulheres sejam iguais. Aliás, a forma como a educação nos “formata” contribuiu para que, “em cima” daquilo que nos distingue, “à partida”, haja uma tão infindável quantidade de aspetos que compõem a nossa identidade que as singularidades das nossas relações significativas, a nossa experiência de vida, a nossa educação e as nossas escolhas nos tornam a todos — mais, ainda — únicos e inimitáveis. “Todos diferentes; e todos iguais”. Ou, talvez de forma mais clara: todos muito mais únicos do que iguais. Sem que, contudo, “por fora”, não deixem de existir algumas características (cada vez menos preponderantes) que distinguem os homens das mulheres. Que não legitimam privilégios, discriminações, imparidades ou seja o que for. Mas que existirão, todavia.

O que se deve acentuar é que, dum modo notável, e em muito pouco tempo e por mérito dos pais, a forma como se foram educando, escolarizando ou socializando as raparigas e os rapazes sofreu mudanças profundas. Tão profundas e tão transversais que a prática das famílias, considerando a educação e as oportunidades que lhes damos, é um belíssimo exemplo de paridade. É verdade que, sobre tudo isso, os nossos filhos poderão ter nos exemplos de paridade que lhes damos como pais alguns enviesamentos “escorregadios” de desigualdade. Mas se eles são educados de forma, tendencialmente, igual, porque motivo é que, quando chegamos à divisão das tarefas domésticas, ela parece ser do género: “Casa e crianças para mim – impostos, bricolage e automóveis para ti”? O que o inquérito da Visão e do IKEA nos deixará entender é que a maioria dos casais divide as funções domésticas desta forma “tradicional”. Mas que também a maioria dos homens e das mulheres sente esta divisão como justa. A verdade é que me parece que o estudo ia à procura da divisão das tarefas domésticas e os casais, porventura, terão respondido com base na divisão das tarefas familiares.

É precisamente aqui que se sente “um antes e um depois” na vida de uma família. Se a paridade representa — bem! — uma agenda própria de um mundo que se preocupa em ser mais justo, a maternidade (que será o traço que nos liga a um mundo do passado, pautado pelas diferenças biológicas), introduz diferenças profundas na vida de um casal, a partir do nascimento de um bebé. Que faz com que, com as experiências de parentalidade, os pais se tenham de dividir pelos seus trabalhos, pelos trabalhos da casa, o trabalho com as crianças e o trabalho que uma relação amorosa exige. O que sugere que, a partir do nascimento de um bebé, os pais “fraturem” muito mais do que seria o seu desejo a divisão das tarefas familiares, levando a que um casal concorde que a mãe chame a si a maternidade e os cuidados com as crianças e que o pai compense isso tudo com mais trabalho, mais rendimento, menos tempo em casa e menos divisão de tarefas domésticas, quando se trata de considerar os trabalhos de casa e o trabalho com as crianças. O trabalho com uma relação, como se percebe, será o que fica mais comprometido no meio disto tudo. Até porque pai e mãe passam a “correr” para todos os lados, sentindo-se sempre “em falta” em relação a tudo aquilo que lhes é exigido. E um e outro acumulando ressentimentos que os separam, devagarinho, porque as divisões dos seus diversos trabalhos entram por um “piloto automático” onde “se tapa a cabeça e destapam os pés” o tempo todo. Afinal, se uma criança (em valores desatualizados) pode custar até 75€ por dia, a sua preponderância na divisão das tarefas familiares pode ter um impacto tal que “atropela”, quase por completo, os ganhos que a educação para a paridade nos trouxe.

Ou seja, o desejo de paridade existe. A educação para a paridade existe. A justeza da paridade não se discute. Só que a quase absoluta ausência de políticas de família, quando se trata de dividir as responsabilidades de uma criança pela família e pelo Estado, faz com que os pais sejam “tributados” três vezes: são tributados como todos os cidadãos; são duplamente tributados porque as deduções do IRS, considerando os nossos filhos, talvez suponham que os educamos nas “lojas dos 300”; e são triplamente tributados porque a forma como são penalizados, no trabalho e na carreira, porque são pais, é absurda. Tudo num mundo neo-liberal que imagina o trabalho como se as pessoas, por vezes, não fossem pessoas mas “força produtiva”. E como se elas (para que nada interfira com aquilo que produzem) ganhassem mais se não fossem pais.

Em resumo, todos nós queremos a paridade! Porque todos nos sentimos injustiçados pela sua ausência! Agora, quando ficamos só pelo discurso sexista em relação às desigualdades na distribuição das tarefas domésticas podemos estar distraídos. Porque se trabalhamos (todos os dias) para um mundo mais paritário e mais justo, sentirmos que a parentalidade acentua as desigualdades é que não se entende.

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