Atualmente assiste-se a um aumento exponencial da prática dos crimes de violência doméstica e uma certa desculpabilização dos mesmos, presentes em algumas sentenças condenatórias.

Registaram-se, entre janeiro e julho de 2022, mais de 14 350 queixas apresentadas pelo crime de violência doméstica. Acresce o número estrondoso de 17 vítimas mortais, pelo crime de homicídio em contexto de violência doméstica, até julho de 20221, o que se revela bastante assustador e com uma prognose futura bastante preocupante, relativamente às 23 vítimas mortais, pelo crime de homicídio, em contexto de violência doméstica, na totalidade do ano transato de 20212.

No mês transato, em julho de 2022, o Tribunal Judicial de Aveiro condenou uma mulher, vítima do crime de violência doméstica por parte do seu companheiro, pelo crime de homicídio qualificado cometido contra o respetivo agressor, num cenário de horror de 85 facadas desferidas, a uma pena de 18 anos de prisão efetiva.

Por um lado, é de atentar que, atendendo ao disposto na comunicação social, a arguida já teria apresentado várias queixas do crime de violência doméstica contra o seu companheiro, as quais, contudo, não surtiram o efeito pretendido e o agressor continuou a viver com a vítima e a perpetrar agressões contínuas.

Por outro lado, o cenário horrível que se crê verificar neste caso concreto, baseando-se nas 85 facadas desferidas pela arguida ao seu agressor, refletem não um elevado nível de censurabilidade ou de perversidade por parte da mesma, o qual configura o crime de homicídio qualificado pela qual a arguida foi indiciada e condenada, mas sim uma “compreensível emoção violenta”, um descontrolo emocional, um grito de desespero e exaustão, baseando-se nos vários de anos de maus-tratos que foram infligidos à arguida pelo seu companheiro. O crime a configurar seria, na minha perspetiva, o crime de homicídio privilegiado, o qual contempla numa moldura penal de uma pena de prisão de um a cinco anos, isto é, uma moldura penal bastante diferente e mais benevolente, quando comparada ao homicídio qualificado.

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Verifica-se, posto isto, que, neste caso em apreço, a justiça portuguesa não só não protegeu a arguida e a salvaguardou quando esta, corajosamente e repetidamente, apresentou queixa do crime de violência doméstica contra o seu companheiro, como, posteriormente, a pune severamente (e inadequadamente, atenção) pelo crime de homicídio que se viu obrigada a praticar, crime este que poderia ter sido evitado se a justiça portuguesa tivesse sido mais diligente aquando da apresentação das queixas anteriores pelo crime de violência doméstica.

Conclui-se que, tomando esta sentença condenatória como exemplo, mas não sendo um caso único, a justiça portuguesa desculpabiliza a prática do crime de violência doméstica. Procura-se uma justiça exímia e exemplar, porém, creio que a sociedade pugna sobretudo por uma justiça humanista.