Se repararmos na forma como um dos pais abandona uma espreguiçadeira e se senta na areia, mal o seu filho chega à praia, dando-lha para apanhar sol, ou o modo como, num almoço a dois, uma mãe aguarda, com uma paciência interminável, que o filho se passeie pelo telefone (que olha, fixamente, enquanto a mãe fala sozinha), aparentemente, sim. Se dermos importância ao tom com que muitos deles falam aos pais ou à forma como, depois, lhes reviram os olhos, a resposta será, outra vez, sim. E se anotarmos a maneira – quase amedrontada – como os pais reagem ao seu mau-humor ou ao jeito como são destratados, ou cedem às suas exigências, a resposta continuará a ser sim.

É claro que as transformações da adolescência não são fáceis e que as exigências escolares que os adolescentes têm sobre si lhes roubam, todos os dias, simpatia e empatia. É claro que a forma como os adolescentes se desiludem com a distância que vai entre aquilo que lhes foram exigindo e tudo o que os pais acabam por ser, não ajuda a que uns e outros se escutem e se respeitem e que falem, mutuamente, com clareza, acerca daquilo que sentem. É claro que os ídolos, por um lado, e os grupos de adolescentes, por outro, trazem outras perspectivas de vida, e sonhos e desejos diversos que fazem com que eles se desencontrem mais dos pais. E é, finalmente, claro que a forma como as marcas e as redes sociais falam para os adolescentes e o modo como a televisão e os jornais os ignoram ajuda a compor uma sensação de “gueto” que uniformiza comportamentos e, aparentemente, homogeneíza as suas diferenças. Mas, apesar de todas essas “desculpas”, serão, hoje, os adolescentes mais egoístas?

É verdade que todos nos tornamos mais egocêntricos sempre que somos mimados. Mas quando é que se “escorrega” do egocentrismo (razoavelmente saudável) das pessoas amadas para o egoísmo (áspero e desprezivo) que muitos adolescentes revelam?

Sempre que os pais desistem de ser pais e insistem em ser “amigos mais velhos” e dessa forma se inabilitam como pais.

Sempre que os pais — porque os adolescentes “não aceitam um não” — os imaginam com “personalidade muito vincada” quando eles são só teimosos e obstinados, e os pais confundem a sua autoridade com o perigo de se tornarem autoritários.

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Sempre que os pais se colocam, como pais “a medo”, dominados pelo receio de perderem o amor dos filhos, baralhando o modo como, tão depressa, cedem, quando não deviam, como, a seguir, exigem “este mundo e o outro”, e são exagerados.

Sempre que os pais acham que “primeiro, está o estudo” e os estimulam para o individualismo e, em função disso, aceitam que os adolescentes não ajudem em casa, não arrumem seja o que for e não sejam autónomos, como deviam.

Sempre que os pais aceitam, muito frequentemente, ser advertidos e repreendidos pelos filhos e, muitas vezes, se transformam nas “sopeiras” dos filhos, nos “motoristas” dos filhos ou nos “prestadores de serviços” dos filhos.

Sempre que os pais perscrutam as opiniões dos filhos e as tornam suas, sem contraditório e sem confronto, e lhes dão a ilusão de uma preponderância que eles não têm, alimentando-lhes o desvario de inúmeros “eu é que sei!”.

Sempre que os pais temem as “cenas” feias e as discussões que, de vez em quando, se assemelham a furacões, e que permitem que um filho diga o que entende e, a seguir, que ele “deixe de falar”, por tempo indeterminado, com um dos pais, enquanto o outro tenta gerir amuos recíprocos sem que haja quem chame, “com músculo”, pais e filhos à razão.

Sempre que os pais permitem que os filhos sejam uns, fora de casa, e outros, muito piores, com os pais.

E sempre que os pais adoptam o vocabulário, o vestuário ou os “tiques e as manias” dos adolescentes e parecem adaptar-se mais aos filhos do que eles se adaptam aos pais.

Ou seja, sempre que os pais vivem os filhos a medo, sem regras, sem uma ideia esclarecida acerca daquilo que dão ou de tudo o que lhes devem exigir; ou se colocam diante deles como se estivessem em dívida; ou se “vergam” mais aos seus méritos ou às suas qualidades do que relevam aquilo que lhes falta e os seus “defeitos”, “estragam” os filhos. Incentivam o seu egoísmo mais que o amor que lhes tenham. Alimentam a sua vaidade mais que a humildade que os leva a crescer. E empurram-nos para a ganância de crescerem para serem grandes mais do que para a determinação de crescerem para serem capazes de continuar a crescer.

Portanto, os adolescentes só são, hoje, aparentemente, mais egoístas porque os pais embrulham todo o amor que têm por eles em demasiados equívocos. Ou seja: amor sem regras, é dar sem exigir; e isso estraga. É por tanto que os pais (movidos pelas melhores das intenções) parecem alimentar o egoísmo dos adolescentes. Sem se darem conta que, se forem por aí, os bons pais podem criar “maus filhos”.