A origem da atual crise energética engloba uma confluência de causas em permanente discussão e atualização já amplamente discutidos por diversos meios. Por outro lado, é bastante relevante discutir a génese desta crise energética, que na verdade é semelhante à de qualquer outra crise energética e que se relaciona com a inviabilidade de planear sistemas energéticos capazes de suportar eventos geopolíticos e sociais improváveis.

O sistema energético tem vários vetores e mercados interdependentes. São eles: o mercado do petróleo, o mercado do gás natural, o mercado do carvão e os mercados da eletricidade. O mercado do petróleo está na base da crise, refletindo-se nos preços dos combustíveis e indústria de produtos dependentes. Os mercados do gás e do carvão estão na base da crise dos preços da eletricidade e do calor para a indústria. Embora não se produza eletricidade com petróleo, existe alguma indexação entre os mercados de petróleo e o mercado do gás e ainda o mercado de dióxido de carbono, que consolida a interdependência de todos estes mercados, influenciando os mercados de eletricidade.

Existe um aspeto comum a todos estes mercados que explica uma crise energética, que é o desequilíbrio entre a procura e a oferta. Por vezes temos excesso de oferta, como foi o caso no período da pandemia, outras vezes temos défice de oferta, como é o caso atual, ao excluir a componente de energia russa dos fluxos mundiais.

Adicionalmente, existe a especulação e o pânico dos agentes destes mercados, que amplificam as reações destas subidas e descidas de preço.

Ou seja, os mercados energéticos são sistemas complexos e interligados, formando a base da economia, que dependem de uma infinidade de fatores e que dificilmente podem ser domados pela regulação governamental. Isto porque nenhuma regulação governamental cobre a abrangência da dimensão geográfica dos mercados energéticos, que têm um âmbito geográfico mundial ou continental. Além disso, o tempo da resposta da regulação governamental é, em muitos casos, muito mais lento que os eventos geopolíticos ou sociais que desequilibram os mercados, sendo este tipo de eventos que nos está a criar a atual crise energética. Mas nem sempre assim é. O caso das alterações climáticas é um tipo de evento lento que permite o planeamento de medidas corretivas, sendo este o caso das políticas de transição energética.

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Seria possível um planeamento atempado de políticas que evitassem a atual crise? Como, por exemplo, ter antecipado a independência energética da Rússia, ou ter apostado antes nas energias renováveis e na eficiência energética, ou ter facilitado o investimento no nuclear, ou, ainda, ter apostado há mais tempo no desenvolvimento da fileira do hidrogénio. A resposta é sim, provavelmente não sem sacrifício dos custos da energia. O estado atual dos fluxos energéticos é o resultado de uma otimização natural que minimiza os custos da energia, cobrindo os riscos de forma aceitável.

Desenhar mercados capazes de fazer face a eventos improváveis e inesperados, como o caso da pandemia ou da guerra na Ucrânia, requer uma enorme redundância e sobreposição de alternativas nas estruturas e fluxos destes mercados, implicando custos elevados de forma continuada. Obviamente, os mercados evoluem naturalmente e preferencialmente para opções de preços de energia normalmente baixos, com riscos de ter esporadicamente preços muito elevados. Por essa razão, não estávamos preparados para o que nos está a acontecer com preços extremamente altos, mas devemos reconhecer que as estratégias seguidas foram adequadas para, durante muito tempo, ter o preço da energia o mais baixo possível.

O caso das políticas de transição energética, é um caso diferente. É um processo de reação a uma transformação climática que é relativamente lenta, dando tempo para a lentidão das políticas de transformação de que necessitam os sistemas e os mercados de energia. Infelizmente a reação é lenta quando os eventos são lentos, mesmo que previsíveis, como temos assistido na transição energética. Talvez necessitemos mesmo de eventos fraturantes e imprevisíveis, para nos obrigar a acelerar as políticas de transição energética.