A cimeira da União Europeia no próximo sábado vai assinalar os 60 anos do Tratado de Roma. Será uma excelente oportunidade para recordar a história de sucesso da União Europeia. E pode ser uma excelente oportunidade para introduzir mais flexibilidade no debate europeu, libertando-o daquilo que tenho designado por “infeliz dicotomia” entre euro-cepticismo e euro-entusiasmo.

Em termos muito simples, isso significaria abandonar o dogma de “mais Europa”. Trata-se de superar a “infeliz dicotomia” entre “mais” e “menos” Europa. Trata-se de reconhecer que este é um tema normal de desacordo e que europeístas igualmente convictos podem discordar neste ponto.

Por outras palavras, a oposição a “mais Europa” deve deixar de ser equiparada a “euro-cepticismo” (entendido como absoluta oposição à UE ou como exigência de que um país abandone a União). Isto é, e é este o ponto crucial, é preciso que seja possível defender menos poderes para Bruxelas sem ter de, por isso, adoptar uma postura anti-UE.

Para que isto seja possível, várias mudanças seriam necessárias. Em primeiro lugar, seria necessária uma profunda transformação do debate no seio da UE. Implicaria abandonar o desnecessariamente dogmático e enganador debate sobre o papel futuro dos estados-nação da Europa versus o do estado europeu supranacional.

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Ninguém sabe qual será o futuro do estado-nação na Europa (ou em qualquer outro lado). Como Karl Popper defendeu repetidamente, o futuro está aberto e não existe nenhuma lei da história que pré-determine como as nossas sociedades vão evoluir. Por esta razão, aqueles que argumentam que o estado-nação nunca poderá ser suplantado estão a fazer uma profecia que não pode ser empiricamente testada. O mesmo é verdade para aqueles que alegam que a era do estado-nação, pelo menos na Europa, desapareceu agora para sempre.

Não conseguimos conhecer o futuro do estado-nação. O que podemos saber é que as pessoas na Europa discordam em relação aos méritos relativos do estado-nação e do estado supranacional. E também sabemos como é que as democracias-liberais lidam com a discordância. Em vez de a tentar abolir ou banir, as democracias liberais vivem com e através da discordância. Elas não tentam abolir as divergências; elas tentam domá-las e civilizá-las.

Esta é a razão pela qual as democracias liberais devem temer o confronto de visões fundamentalistas opostas e devem aceitar a sabedoria de manter os conflitos o mais possível num nível “normal”. Uma das mais poderosos procedimentos liberais-democráticas para domesticar o conflito consiste em permitir que haja espaço para a mudança gradual, para o ajustamento gradual, e para a aprendizagem gradual através do ensaio e do erro.

Em termos práticos, isto implicaria que os principais partidos centrais nos parlamentos nacionais e no parlamento europeu passassem a estar dispostos a acolher e dar voz a propostas favoráveis à devolução de poderes para os parlamentos nacionais — em vez de as rejeitar simplesmente como “anti-europeias”. Em contrapartida, a estrutura da UE deveria estar mais aberta a diferentes graus de integração entre estados-membros — o que aliás já acontece no caso do euro e do espaço Schengen.

Timothy Garton Ash, um conhecido europeísta britânico, preveniu em 1997: “um processo que vise livrar-se do velho hábito europeu de competição entre estados-nação corre o risco de acelerar o regresso desses mesmos velhos hábitos. Carregue-se no botão ‘fast-forward’ e o resultado poderá ser ‘fast-rewind’”.

Por outras palavras, os europeístas devem ser prudentes em relação a qualquer impulso para carregar no botão “para a frente depressa”. Em vez disso, devem mobilizar as boas e antigas tradições liberais-democráticas para evitar as “infelizes dicotomias” e permitir mais espaço — e não menos — para conflitos normais, moderados e pacíficos.

Sessenta anos depois do Tratado de Roma, é importante recordar que todo o projecto europeu assentou na adesão voluntária dos estados-nação da Europa — e que esta foi a base do seu sucesso. A natureza voluntária da União Europeia deverá agora ser reforçada por forma a que a estrutura da UE se torne mais flexível e mais aberta a escolhas diferentes por parte dos parlamentos nacionais.