Quando António Costa combinou um governo com o PCP e o BE, ouviu-se dizer: vai ser como na Grécia. Mas eis que, entretanto, aconteceu o défice de 2%. A oligarquia ficou eufórica: afinal, não é como na Grécia. Não é como na Grécia? Desculpem, mas é mesmo como na Grécia. Porque também a Grécia anda a festejar uma enorme façanha orçamental, no meio de uma economia mais ou menos parada.

Na Grécia, Mário Centeno chama-se Euclides Tsakalotos. É esse o ministro das finanças da aliança entre a esquerda radical e a extrema-direita populista. Em 2016, economia grega não cresceu e a taxa de desemprego (23,5%) voltou a subir. Mas o governo do Syriza transformou um défice primário de 2,3% do PIB num excedente de 3,9% – oito vezes melhor do que o objectivo que negociara com os seus credores (0,5%). A maravilha, porém, não ficou por aqui. Há três dias, a Comissão Europeia revelou que o excedente grego, afinal, foi de 4,2%. Contando com os juros da dívida, teria sido de 0,7% do PIB, depois de um défice de 5,9% no ano anterior. Enfim, se Centeno é genial, então Tsakalotos é divino. Se Centeno é bom para presidir ao Eurogrupo, então Tsakalotos devia presidir ao G20. Abençoados países, que tais filhos têm.

Como se fazem milagres destes? É simples: entre 2015 e 2016, o governo do Syriza cortou a despesa pública brutalmente, como nunca a direita se teria atrevido, de 95,2 mil milhões de euros para 86,1. O peso do gasto do Estado no PIB teria descido de 54,2% para 49%. Nem o mais esturrado neo-liberal alguma vez teria esperado tanto. Por outro lado, o Syriza aumentou os impostos com toda a ferocidade (sobretudo os indirectos) e deixou de pagar a fornecedores (calcula-se que deva uns 5 mil milhões de euros). De resto, aproveitou o ressurgimento do turismo. Mas tal como em Portugal, também na Grécia, apesar dos malabarismos orçamentais, a dívida não para de crescer (de 177% para 179%).

O que é que as oligarquias europeias descobriram com entusiasmo? Que para a austeridade pura e simples, isto é, a austeridade dos cortes e dos calotes, a extrema-esquerda é muito melhor do que a direita. Porque a extrema-esquerda pode cortar sem ter de aturar manifestantes na rua, sindicalistas em greve ou jornalistas histéricos com a “crise social”. Imaginem a faca orçamental do Syriza manejada por um governo da direita? Era o “neo-liberalismo”, a “destruição dos serviços públicos”, o fim do mundo. Em vez disso, a burguesia comove-se com o “sentido de responsabilidade” dos herdeiros de Lenine.

O truque é reduzir o Estado ao que importa para manter o poder – empregos, favores para amigos, controle sobre as actividades — e cortar tudo o mais sem piedade. Em Portugal, António Costa contou com o auxílio do PCP e do BE para chegar ao mais baixo nível de investimento público desde 1960, numa espécie de exercício extremo de economia anti-keynesiana. Isto só será surpresa para quem acreditou mesmo que os comunistas têm objecções de princípio contra a “austeridade”. Os comunistas só têm objecções contra a austeridade na oposição. Quando no poder, como na Europa de leste antes de 1989, recorreram sempre à austeridade, até com a assistência do FMI (o FMI só era mau em Portugal, na Roménia de Ceausescu ou na Polónia de Jaruzelski era excelente). O que nunca fizeram foi aumentar a liberdade de iniciativa dos cidadãos perante o Estado. Tal como Tsipras nunca fará na Grécia, ou Costa, sustentado pelo PCP e pelo BE, em Portugal.

Em Portugal, a oligarquia anda embevecida com Costa, impressionada com Catarina, fascinada com Jerónimo. Como não havia de andar? Tem o financiamento do BCE garantido, tem o dinheiro dos contribuintes para os bancos — e tudo isso servido com muita “paz social”. A economia cresce menos de metade (1,4%) do que cresce a economia espanhola (3,2%)? Mas quem quer saber disso, quando tudo está a correr tão bem?

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