Por estes dias há nos psicólogos e psiquiatras lisboetas novos pacientes com sintomatologia peculiar. Uma buzina de carro fá-los reviver os momentos funestos e frequentes em que, guiando em Lisboa fora da hora de ponta, de repente entram numa rua onde ficaram armadilhados em trânsito parado durante três quartos de hora da sua vida. Durante a noite acordam com suores frios e pesadelos. Vêem-se trancados dentro do carro, numa fila que não termina, com os filhos a chorarem porque vão chegar atrasados às aulas e o relógio a informá-los que estão atrasados para a reunião e que vão perder o negócio.

Tal como há pessoas hipertensas e com problemas na dentição (por rangerem os dentes durante a noite) resultantes de Trump Derangement Syndrome, estou convicta que vai nascer um Lisbon Driver Syndrome: pessoas que perdem a alegria de viver e a capacidade para os atos simples da sua vida em consequência de serem expostos todos os dias à (des)organização do trânsito em Lisboa por Fernando Medina.

Proibições de virar à direita quando não há nenhum perigo ou inconveniente (milhentos exemplos). Labirintos de ruas mal assinalados, onde quem não conhece a zona fica às voltas durante meia hora ou faz alguma transgressão para regressar à sua vida e fugir ao rodopio eterno (o caso do bairro do Arco do Cego). Proibição de escapar às ruas principais (que retiraria trânsito delas e permitiria trajetos mais rápidos) por ruas laterais, agora apenas para residentes (como na zona da Avenida da República). Medina quer-nos a todos armadilhados nas mesmas vias. As voltas que dantes eram possíveis para tornear o trânsito tornaram-se inviáveis. Este ano até em julho e agosto, tradicionalmente desafogados, houve filas e transito frenético.

A EMEL transformou-se numa empresa extorsionária: até ao fim de semana inferniza e multa. Fiscalização de constrangimentos no trânsito como estacionamento em segunda fila durante horas de ponta? Nada. Os condutores existem para serem punidos com requintes de tortura medieval. O passo seguinte é permitir somente ópera tradicional chinesa nos sistemas de som dos automóveis.

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Eu sei que faz parte de uma boa gestão camarária (e de sensata política ambiental) propiciar a substituição do uso do carro próprio. Também sei que o uso de carro é um meio de transporte legítimo, cujos proprietários pagam impostos, pelo que têm direito a usá-lo quando assim lhes for mais confortável e conveniente, sem serem demonizados pelo edil socialista. Em casa dos meus pais lembro-me de uma fotografia de Cantão em 1983: um mar de bicicletas na estrada à espera do semáforo verde. É este o mundo utópico de Fernando Medida.

Acresce a simpática realidade de não haver muitas alternativas (nem peço confortáveis) ao carro próprio. A minha freguesia, Estrela, tal como toda a zona ocidental de Lisboa, não tem metro. Metro que tem compulsivamente (quiçá outra síndrome patológica) elevadores e escadas rolantes avariadas – perfeito, portanto, para transportar filhos em carrinhos de bebé ou com mochilas pesadas ou demasiado pequenos para subir muitas escadas. Além dos tempos de espera e das carruagens. E não vamos apresentar com seriedade os autocarros como alternativa, pois não?

A única forma de locomoção respeitável para Fernando Medina é a bicicleta, para as quais construiu quilómetros de ciclovias – a esmagadora maioria vazias, se não contarmos os passeantes que as aproveitam para caminhar num piso mais regular que a malfadada calçada portuguesa.

Na verdade, as ciclovias são tão importantes para Medina que pretendem não só substituir os automobilistas como os que andam a pé por Lisboa. Dou um exemplo: no passeio ao lado da Gulbenkian três quartos da largura estão ocupados por uma larga ciclovia. Mas não se queixem: Medina foi simpático e deixou umas dezenas de centímetros junto ao muro da fundação para quem se desloca a pé. Claro que, em sendo mais alto que crianças, leva umas traulitadas na cabeça dos ramos das árvores que saem da Gulbenkian. Mas não vamos ser piegas, pois não?

Fora dos locais das obras destinadas ao caos e destruição no trânsito (o pior da Península Ibérica) e no estacionamento, com passeios demasiado largos que não serão devidamente mantidos (é muito caro) e separadores à prova de tanques de guerra, de tão altos, o cenário é diferente. Pavimento das ruas em mau estado e passeios esburacados e irregulares.

Por falar em obras, vejo-me obrigada a solidarizar-me com Fernando Medina. Esta mania de se escrutinar a atuação de detentores de cargos públicos vai ser a morte da democracia. Era o que faltava políticos, sobretudo de partidos que aumentam impostos sobre o património imobiliário, terem obrigações de transparência acrescidas face aos comuns mortais. Já nem se permite passar sem escrutínio boas compras imobiliárias de um político distraído a uma acionista de uma grande construtora, num segmento de mercado que não costuma desvalorizar e em pleno período de explosão dos preços das casas. Ou que depois da distração adjudique por ajuste direto à dita construtora uma obra que estava sinalizada há anos, que o LNEC não considerou urgente, tendo a urgência crescido como cogumelos apenas após parecer encomendado pela CML.

De facto, só gente ruim – eu, por exemplo, nos meus numerosos momentos de perfídia – torce o nariz à vitimização de Medina, dando esclarecimentos por favor, como se não fosse sua obrigação. Como se a seriedade não impusesse que revelasse o seu conflito de interesses com a Teixeira Duarte antes da adjudicação da obra do Miradouro de São Pedro de Alcântara. Preferiu fugir da reunião da CML onde antecipadamente sabia que esta iria ser discutida, prémio à construtora incluído.

Infernizar a vida aos lisboetas e patrocinar opacidade democrática – o programa perfeito para mais quatro anos em Lisboa.