O Estado moderno, tal como o conhecemos, resulta de um longo processo que abrange aproximadamente três séculos. Este processo, intrinsecamente ligado a períodos de convulsões sociais e económicas, originou desenvolvimentos como a separação de poderes ou os Direitos do Homem e cidadão, o surgimento das ideologias comunista e fascista ou a aplicação de iniciativas de cariz social, simbolizadas pelo New Deal, e até o Estado-providência cujo modelo dá sinais de falência.

No entremeando destes acontecimentos, os fins (justiça, segurança e bem-estar) e elementos (território, povo e organização política) do Estado foram enunciados, o sufrágio universal foi instituído e a democracia representativa foi consolidada. E, à medida que estes eventos se sucederam, apareceram diferentes agentes – partidos políticos, sindicatos, associações cívicas, etc. – para adequar a intervenção e participação popular, garantida constitucionalmente, na “vida” do Estado.

No meio destas mudanças, o que é que não se adaptou? O próprio Estado. A organização política do mundo actual, particularmente a da civilização ocidental, é determinada pelo Estado nascido da Revolução Industrial. Ora, o Estado, tal como o conhecemos, há muito que está em crise e declínio. Já não consegue provir os fins para que foi criado. Considerando as dimensões, social, económica e política do Estado, é precisamente esta última que mais resiste e ignora a mudança, continuando a agir como se o mundo se mantivesse inalterado. Portugal não é excepção.

Em 1976, a Constituição da República Portuguesa (CRP) estabeleceu um conjunto de regras cujas pressuposições foram erodidas pelo tempo. E, goste-se ou não, as boas intenções que estão na génese da CRP já foram corrompidas. É de estranhar o crescente afastamento entre cidadãos e representantes eleitos? Ou a falta de identificação que o cidadão manifesta perante o sistema político? Ou o nível da abstenção?

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O Presidente da República alertou recentemente para a necessidade dum sistema político 4.0 que anteveja as batalhas do nosso quotidiano. Um sistema político 4.0 requer, entre outras coisas, uma Constituição 4.0! Como uma das nossas batalhas é a pouca adesão do cidadão à participação cívica e política, alterações à CRP podem ajudar. Afinal, quantos cidadãos sabem a diferença entre regime, forma de governo e sistema de governo ou compreendem o sistema eleitoral?

Para colmatar tais lacunas, três alterações parecem urgentes. Primeiro, o sistema de governo. É necessário a implementação dum sistema clarificador quanto ao Princípio da Separação dos Poderes e ao enquadramento dos poderes legislativo, executivo e judicial. O semipresidencialismo não é compreendido pela maioria dos cidadãos e é um dos obstáculos à relação entre eleitores e eleitos. A opção entre o presidencialismo e o parlamentarismo impõe-se. Qualquer um destes dois sistemas aumentaria a responsabilização dos eleitos e dos eleitores. Contudo, esta alteração só deve ser feita através dum referendo. A população deve pronunciar-se para ser corresponsável pela escolha.

Segundo, o sistema eleitoral. O Parlamento tem de ser muito mais do que apenas a representação quantitativa dos cidadãos. Todos os elementos do Estado, e não apenas a demografia, devem ser variáveis consideradas na eleição dos representantes do povo. O número de deputados devia ser reduzido, devendo o sistema eleitoral promover a equiparação valorativa do território, respeitar a tríade de elementos do Estado, mitigar a assimetria litoral/interior, “obrigando” os partidos ou movimentos a apresentar os seus candidatos mais capazes em cada círculo, e acima de tudo, acabar com a escolha indirecta dos nossos representantes eleitos. A ligação deve ser eleitor/eleito e não eleitor /partido/eleito, de modo a permitir uma maior responsabilização de todos os intervenientes do processo, inclusive dos cidadãos.

Por fim, a limitação uniforme de mandatos. Todos os cargos públicos, locais e nacionais, deviam estar limitados a dois mandatos consecutivos, sendo que cada mandato teria uma duração mínima de 5 anos. Indubitavelmente, um dos principais problemas do sistema político português é a perpetuação das mesmas pessoas nos cargos públicos.

Alterações como estas são necessárias. Nem a adesão popular ao sistema político, nem a abstenção se combatem com medidas artificiais como o “recenseamento automático”. Mas, serão estas alterações desejáveis? Segundo o enquadramento constitucional português, quem possui a capacidade por excelência para fazer este tipo de alteração são os partidos com representação parlamentar. Estarão os partidos interessados em alterar a CRP? Não creio. E também não acredito que ambicionem um sistema político 4.0!

A economia 4.0 já é uma realidade. Devido aos avanços na biotecnologia, medicina e imunologia caminhamos para uma sociedade 4.0. Um sistema político 4.0 irá ser uma urgência. Logo, uma Constituição 4.0 será uma exigência. Todavia, sem políticos e/ou cidadãos 4.0 jamais será uma realidade.

E lições, como esta, permanecerão por aprender:

“I am not an advocate for frequent changes in laws and constitutions, but laws and institutions must go hand in hand with the progress of the human mind. As that becomes more developed, more enlightened, as new discoveries are made, new truths discovered and manners and opinions change, with the change of circumstances, institutions must advance also to keep pace with the times.” [Thomas Jefferson]

Vicente Ferreira da Silva é politólogo e professor convidado EEG/UMinho