Quarenta anos. O Serviço Nacional de Saúde está quase nos 40, comemora-os no próximo ano. Eu sei que os 40 são os novos 20 e tal, mas, desculpem lá, se há quem precise de espelhos é o SNS. À velocidade que a sociedade portuguesa tem envelhecido e a esperança de vida tem aumentado, da forma supersónica como as doenças se têm multiplicado, mas os tratamentos têm evoluído ainda mais rápido, o modelo desenhado há duas décadas tornou-se decrépito. Caduco.

Nada tenho contra o SNS. Acho é que o modelo está esgotado. Este modelo do qual nos estão constantemente a evocar a paternidade como se de uma religião se tratasse, já não funciona. Respeito muito a ideia original: na altura em que foi desenhada foi inovadora e trouxe de facto a um Portugal pobre e sem acesso a cuidados de saúde, uma mais valia única, um avanço civilizacional onde ir ao médico era um luxo a que poucos podiam aceder. Mas passaram os tais 40 anos, que nesta área equivalem a 400, e só não vê quem não quer. Os sinais estão por todo o lado, surgem todos os dias. As fotos chocantes de crianças a fazer quimioterapia em corredores do S. João são só a ponta do icebergue em que agora embatemos, com o horror das imagens a valerem de facto mais que mil palavras. Mas o barco afunda-se há muito. A banda é que continua a tocar como se nada fosse, com a esquerda como maestrina.

Há quanto tempo, entre negociatas e interesses, ouvimos falar de um novo IPO de Lisboa, que continua contudo no mesmo sítio, a tentar funcionar o melhor que pode, entre a degradação do tempo? E já alguém desceu do nono ao sétimo piso de Santa Maria, onde se fecham unidades, e percebeu que é como passar de uma nave espacial para um centro de guerra? E a pediatria em Évora, onde também só há uma máquina de REM para todo o Alentejo? E as urgências sempre a abarrotar mal chega o Inverno? E as filas de gente sentada em banquinhos de madrugada para ter consultas nos centros de Saúde? E a falta de médicos crónica no Algarve durante o Verão? E as falhas da pediatria em Coimbra? E as mulheres de Viseu sem poder fazer mamografias porque a máquina está obsoleta? E as listas de espera eternamente por resolver? E as dívidas dos hospitais sempre a crescer? E as queixas, greves e protestos dos enfermeiros e médicos? Querem que continue?

Primeiro inventaram-se as parcerias público-privadas, muitas trazendo mais problemas que soluções. Depois, com a troika, faltou o dinheiro e Paulo Macedo foi o bombeiro de serviço. Agora, com este governo, a receita é a do costume. Entre o “Somos Todos Centeno”, com que o ministro da Saúde quis dizer que o seu colega fazia brilharetes no défice deixando investimento na gaveta, e o “Somos Todos Adalberto”, com que o ministro das Finanças lhe respondeu despejando uns trocos para cima de mais uma polémica tornada pública, quase nada tem mudado. Pelo meio cresceu sem controlo o verdadeiro negócio da saúde dos hospitais privados e dos seguros, que proliferam como a única alternativa, mas nem sempre com as melhores respostas.

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O SNS tornou-se assim mais que um elefante no meio da sala dos governos. É uma verdadeira relíquia sagrada em que ninguém parece poder mexer. As poucas mudanças no modelo não passam de uns remendos que não impedem que esteja a ir ao fundo. O que antes foi um bólide reluzente é agora um velho chaço. Serve apenas para os que não têm outra opção. Por muito que cuidem dele e o tentem polir, perde óleo, o motor está constantemente a gripar, foi completamente ultrapassado pelo tempo. É o que é: uma bela peça histórica, de museu.

É preciso encomendar um modelo novo. Moderno. Adequado aos novos tempos. Podem até propor entretanto o dr. Arnaut para os mais altos prémios da Nação, pois se há até quem queira o tal sr. da noite de Lisboa no Panteão… Mas peguem num papel em branco e desenhem tudo de princípio. O quanto antes. Não vale a pena ir construindo um hospital aqui, outro ali. Fazer umas obras acolá. É necessário pensar tudo outra vez. Arranjar um novo criador e uma nova criatura.

Um sistema misto, com um período de transição, em que cada um contribuísse de forma fixa para o SNS e depois pudesse optar por pagar serviços de saúde pública ou privados seria o mais justo. Agora todos descontamos de forma proporcional para aquilo que muitos não usamos e duplicamos esse pagamento em alternativas que sendo melhores estão longe de ser exemplares. E assim vamos alimentando um monstro que só consome e pede novas peças, mas não deixará de ser o que é: uma máquina (muito pior que a geringonça) sem conserto.

Por mais que compreenda os esforços de quem ainda consegue fazer com que o SNS ofereça os serviços mínimos e saiba o que ele representa para os que não têm mais nada, que ninguém duvide: não há remédio. Estamos nos paliativos de uma morte lenta e agonizante.

Só mais duas ou três coisas

  • O dr. César acha que os reembolsos/subsídios duplicados aos deputados das ilhas são “eticamente irrepreensíveis” e não vê na polémica quaisquer “problemas de caráter”. Vindo dele, de que tanto já sabíamos além de mais esta legalidade imoral, não é de estranhar. Mas os outros deputados insulares que ou não recebiam, ou vão devolver o dinheiro, ou até renunciaram (embora no caso do Bloco seja mais show off que outra coisa, porque a renúncia já era conhecida há dois meses e por outros motivos bem diferentes), em que categoria é que ele os coloca? De gente com princípios ou de meros tansos?
  • Por falar ainda em ética. Se nem António Costa nem Mário Centeno viam também quaisquer problemas em pedir convites para os jogos do Benfica para si e para os filhos. Nem em estar na bancada do Estádio do seu clube e ao lado do seu presidente –sendo que ambos mantém litígios fiscais e são alvo de investigações judiciais . Então porque é que deixaram de aparecer depois da polémica? Porque não assistiram ao último Benfica-FC Porto? Terão repensado melhor no assunto arranjado novas “boas razões” para não o fazer? 
  • Volto às fotos, porque elas de facto dizem muito. Com Vítor Gaspar a elogiar Mário Centeno e a extrema esquerda a engolir os sapos do défice e do não aumento da Função Pública, eis que chega a primeira fotagrafia do Bloco Central. Costa e Rio, lado a lado, no primeiro acordo tão desejado por Marcelo, posaram para o boneco, dando um bacalhau. É verdade que ainda é só para pedir dinheiro a Bruxelas, coisa simples e de fácil entendimento. Mas tendo em conta que a geringonça se formou sem uma imagem única oficial e apenas com três fotos forçadas e mal amanhadas, esta parece destinada à moldura de um gabinete futuro.