O fogo de Pedrógão-Grande pode ter tido as origens mais extraordinárias, mas ocorreu numa região, numa época do ano e num contexto meteorológico em que os incêndios florestais não são extraordinários. É difícil, por isso, não admitir a hipótese de ter havido uma falha da protecção civil. Não se previu o risco de incêndio florestal, não se pôs a população em alerta para a possibilidade do fogo, não se prepararam meios para uma eventualidade, e quando o incêndio rebentou, não se tomaram todas as providências, como, por exemplo, controlar a circulação automóvel. Ao contrário do que disse o Presidente da República, não parece ter-se feito tudo o que se pôde.

Mas neste país, só há responsáveis para as boas notícias. Para a saída do défice excessivo, não faltaram pais, mães e até avós. Ninguém invocou a conjuntura externa favorável, nem o ajustamento de 2011-2014. Mas para uma tragédia como a de Pedrógão-Grande, os tomadores de responsabilidades são escassos. Nestes casos, prefere falar-se da natureza, da temperatura, do vento, da conjugação misteriosa de todo o tipo de fatalidades.

É curioso notar, a este respeito, o contraste entre o regime português e o regime britânico, perante dramas de dimensão semelhante. Em Londres, morreram a semana passada 58 pessoas no incêndio de uma torre de apartamentos. O fogo começou com um acidente (a explosão de um frigorífico). Mas para a sua propagação rápida e avassaladora, terá contribuído o revestimento exterior, mais barato do que outras opções, mas perigosamente inflamável. A partir daí, começou a discussão, a primeira-ministra foi confrontada, exigiram-se demissões. Como em qualquer democracia, quando alguma tragédia acontece que podia não ter acontecido.

No caso de Pedrógão, depois do acidente inicial (neste caso, uma trovoada seca), também houve um problema de revestimento barato: o tipo de floresta com que, há mais de um século, o Estado forrou a antiga paisagem portuguesa de serras nuas, charnecas e areais. Escolheram-se espécies económicas, como o pinheiro e o eucalipto. E assim, com a ajuda do clima e do relevo, se preparou o terreno para a “época de incêndios”. Depois, o êxodo rural piorou as coisas, ao transformar a chamada “floresta” num enorme matagal abandonado, cercando estradas e povoações. Todos os anos há incêndios e todos os anos os “especialistas” fazem a ronda dos telejornais. Nada muda.

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Demasiada população, incluindo uma parte da população mais vulnerável, como são os idosos rurais, é ano após ano sujeita à roleta russa dos fogos florestais. Foi revoltante ver nas televisões o desamparo de muitas dessas pessoas. Quem é responsável? Não se sabe, porque a oligarquia começou logo por decretar a “unidade nacional”, de modo a não haver perguntas aborrecidas nem debates incómodos. Em vez disso, houve emoções, abraços, afectos: mais um caso de revestimento barato.

Sim, o fogo é natural, mas é possível reduzir a vulnerabilidade aos incêndios. Os outros países do sul da Europa não têm tantas ignições nem tanta proporção de área ardida. Não foram as actuais autoridades que plantaram pinhais e depois os abandonaram? Pois não. Só que não estamos a falar de “culpas”, mas de responsabilidades. Estar no poder é assumir a responsabilidade: é prevenir, é mudar. É por isso que no Reino Unido houve discussão desde o início.

Não se pode andar a dar lições sobre o aquecimento global, e depois não conseguir sequer dar uma impressão de previsão e de controle perante um fenómeno que se repete todos os anos, nas mesmas condições, como são os fogos florestais. É nestes casos que o vazio de liderança política em Portugal, disfarçado pelo preenchimento regular dos cargos, se torna óbvio. É também nestes casos que fica à mostra a fragilidade extrema do país artificial do optimismo e das boas notícias.