A proposta de integração do pré-escolar no ensino obrigatório e de alargamento da escolaridade obrigatória aos três anos de idade merecem alguns comentários que oportunamente serão incluídos na consulta pública suscitada pelo Governo, a propósito da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.

É unânime que, nos primeiros anos de vida, nomeadamente até aos 6 anos, as experiências vividas pelas crianças são fundamentais para o seu crescimento equilibrado e harmonioso. Numerosos estudos confirmam o impacto positivo de programas pedagógicos, curriculares e didáticos de elevada qualidade dirigidos às necessidades de estímulo e promoção das primeiras aprendizagens naturais, acompanhadas e estruturadas.

É exatamente por esse motivo que é decisivo questionarmo-nos sobre a concretização pretendida pelo Governo. Será a frequência obrigatória das crianças a medida mais urgente e adequada para alcançar este objetivo? Antes de responder afirmativa ou negativamente, é preciso considerar dois fatores.

Em primeiro lugar, há que compreender o que é a escolaridade obrigatória. Historicamente, em Portugal, nasce intimamente ligada à necessidade de alfabetização dos cidadãos. Os índices do final do século XIX e da primeira metade do século XX, quando comparados com outros países europeus, apontam para amplas falhas na tentativa de alcançar esse objetivo. Não se discute a importância de proporcionar uma educação de qualidade às crianças e aos jovens, apenas nos questionamos – ao olhar para a história dos últimos três séculos – se a melhor resposta a essa necessidade poderá vir do Estado central.

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Por outro lado, não se duvide que muitas famílias precisam de apoio, sobretudo as que vivem situações de carência. Precisam que os seus filhos possam frequentar boas creches e bons jardins de infância em estabelecimentos preparados para o efeito, o que lhes permitirá trabalhar, enquanto os filhos são acompanhados nas primeiras descobertas por profissionais capazes e competentes. A isso chama-se universalização da creche (refira-se que nem sequer é reconhecida como valência educativa, mas apenas de apoio social), tal como já existe parcialmente no pré-escolar, embora esteja muito longe de chegar a todas as crianças apenas com a rede “pública”, entre aspas, porque pública significa que é para todos e a situação atual é bem diferente.

O que se poderá, então, fazer?

Antes de mais, importa olhar para a realidade das respostas à infância em Portugal. Centenas de instituições do setor social e do setor privado dedicam-se há décadas a fazer com muita qualidade, o que o Estado quer vir agora fazer. E quer vir tornar obrigatório sem ter ainda conseguido concluir a universalização do pré-escolar – porque não existem vagas na rede pública e porque os últimos anos de governação dificultaram a vida aos parceiros sociais e aos privados. Querer vir agora tornar obrigatório o Pré-escolar, sem ter vagas sequer para os que lá querem estar e sem antes ter olhado para o problema da Creche, que não tem reconhecimento para as famílias nem para os educadores, parece estranho.

Ao olhar para as centenas de creches, jardins de infância e para os educadores que por esse país fora acolhem diariamente as crianças dos 0 aos 6 anos, torna-se claro que seria muito mais simples trabalhar numa verdadeira estratégia de promoção da infância e de combate à pobreza e à exclusão social que permitisse resultados mais eficazes. Além de que devemos perguntar-nos se será benéfico “escolarizar” as nossas crianças com três anos. Haverá outras modalidades de garantir um acompanhamento educativo e pedagógico positivo, sem cair na escolarização precoce, quando a investigação e a experiência dos profissionais indicam outras direções?

Parece-nos, pois, que a obrigatoriedade do ensino pré-escolar corre o risco de se revelar uma medida desajustada e apressada, que ficará aquém das reais necessidades das crianças e das suas famílias. Urgente seria ir ao terreno, valorizar o que está a ser feito e aprender com isso; refletir com os educadores de infância e outros profissionais de educação; apoiar a formação dos agentes educativos e promover mais e melhores respostas à primeira infância, de tipo pública ou social, recorrendo a quem já está no terreno, sempre que necessário.

Pode parecer mais rápido impor uma solução, mas construir em sociedade é sempre mais humano.