Há muito tempo que não tínhamos um político em exercício de funções com índices de popularidade tão elevados como os que Marcelo Rebelo de Sousa regista por estes dias. Muito graças ao seu jeito pessoal de afectividade, descontração e boa disposição e à prática política de proximidade, numa quase permanente “presidência aberta”. Mas também pela comparação com o estilo do antecessor. Nesse aspecto, Cavaco Silva sempre facilitou a vida a quem lhe sucede nos cargos: há 20 anos, António Guterres afirmou-se rapidamente como uma alternativa pelo “diálogo”; Marcelo marca facilmente a diferença pelos “afectos”.

Mas não só. Os primeiros seis meses mostram um Presidente politicamente conciliador, simpático e compreensivo para com o Governo. Marcelo tem estado sempre mais disposto a acolher as posições e o “optimismo crónico e ligeiramente irritante do primeiro-ministro” — a classificação é do próprio Presidente — do que pronto a disparar recados, avisos e alertas à navegação.

Naquilo que é essencial, a performance económica e orçamental, o Presidente já disse que é preciso esperar até ao final do ano para avaliar os resultados, recusando as avaliações no intervalo do jogo. Não duvida dos 2,5% de défice que António Costa garante que vai atingir e até desvaloriza o crescimento económico que tem sido uma sombra das previsões governamentais.

Marcelo tem dado tempo e espaço para que o governo execute sem ruídos institucionais o essencial da sua política. Não será certamente por causa dele que alguma coisa vai falhar, que a confiança dos agentes económicos se pode fragilizar, que o descrédito externo do país pode regressar, que o governo pode invocar a falta de apoio. Não é uma “força de bloqueio” e muito menos um Presidente “de facção”, como muitas vezes ouvimos em relação a Cavaco.

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O Presidente da República sabe que o país caminha sobre uma fina camada de gelo, ouve as análises e os alertas que vão surgindo dentro e fora do país, sabe distinguir como poucos onde é que a boa comunicação disfarça a má governação. Mas não é por isso que descura a cooperação institucional com o governo, ainda que isso possa irritar o PSD, que optou por uma oposição fundada na desacreditação da estratégia económica e financeira do governo.

O largo consenso que Marcelo vai mantendo dar-lhe-á uma preciosa margem de manobra se, e quando, precisar de intervir contrariando António Costa e os seus aliados da extrema-esquerda.

Nesse sentido, o mais importante destes primeiros seis meses de Marcelo em Belém não é o que aconteceu mas a preparação do terreno político para o que pode vir a acontecer.