Muito ao jeito europeu, nas últimas semanas deixámos de ouvir expressões proibidas como “mutualização da dívida” e “coronabonds”. Mas, também ao jeito europeu, isso não quer dizer que a intenção não esteja lá, ainda que com novos contornos financeiros. A diplomacia a 27 obriga a permanentes ajustes e jogos de palavras e para que os mais reticentes possam ceder a políticas que recusaram sem perder a face. Não vem daí mal ao mundo.

Como já se escreveu anteriormente, a resposta da União Europeia à pandemia, num primeiro momento, foi desastrada. A Comissão não tem poderes para atuar na área da saúde pública (já muitos reclamam que isso mude), de forma a que foi relegada para o plano económico, reagindo lentamente, enquanto os cidadãos se voltaram para os seus estados selando aquilo que bem pode vir a ser uma nova fase política mais nacionalista (não necessariamente populista-nacionalista).

Ou não. No último Conselho Europeu chefes de estado e governo decidiram alocar nada menos que dois milhões de biliões de euros para um fundo de recuperação económica dos 27, eventualmente ligado ao próximo Quadro Financeiro Plurianual. Falta decidir o mais difícil: como se distribuem os fundos e que percentagem em cada formato. Ou a fundo perdido, ou em forma de empréstimos, o que fragilizaria profundamente estados com dívidas externas avultadas – como no caso da Itália e de Espanha, os dois países europeus que mais sofreram com a pandemia da Covid-19.

O que levanta o problema que, quer se fale quer não, é o elefante na sala: É possível que a recuperação económica da União Europeia demore muito mais tempo e seja muito mais desigual sem haver um mecanismo de dívida comum. Há resistência dos “frugais” – que poderão acabar por ceder por pressão alemã (e a quanto a este assunto há divisões reconciliáveis em Berlim), mas a insistência dos estados mais afetados e o receio que o projeto europeu se possa tornar irrelevante poderão ser razões de peso para este passo de gigante.

De facto, a mutualização da dívida, mesmo da dívida contraída apenas desde que a pandemia se estendeu à Europa, é um passo sem retorno. Porque lançaria a Europa no caminho da federação. A dependência entre os 27 cresceria de forma fundamental sem grandes possibilidades de retrocesso. Este é o “debate omitido”: uma modalidade cada um por si, ainda que com apoio financeiro da União, dá força à Europa dos estados. A mutualização do problema económico despoletado pela pandemia empurra a Europa para um novo patamar.

Todos os dias são publicados centenas de artigos sobre o futuro económico da Europa. E milhares sobre o mundo pós-coronavírus. Mas falta escrever sobre o futuro político da União Europeia. Mas a verdade é que, o que se decidir, nos próximos meses, em Bruxelas vai moldar a nossa vida supranacional de uma forma inequívoca.

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