solidão | s. f.

so·li·dão
(latim solitudo, –inis)
nome feminino
1. Estado do que está só.
2. Lugar solitário. = RETIRO
3. Isolamento.
4. Lugar despovoado. = ERMO

Esta pandemia que estamos a viver está a provocar uma solidão sem precedentes na história contemporânea.

Solidão que nos afasta dos outros, mas nem por isso nos aproxima de nós.

Solidão nos mais pequenos, nos jovens, que veem uma sociedade sitiada, preparada para o perigo, fechada nas suas ruas e comércio, deserta nas suas noites, fria e escura nos seus encontros. Uma sociedade onde é difícil criar amizades e fazer brincadeiras.

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Solidão nos adultos, que deixaram de se tocar, de se abraçar, de darem a mão e as mãos, de conviverem em jantares, em almoços, em encontros. De se rirem, de partilharem problemas, de contarem com ombros amigos, de falarem mais aprofundadamente com alguém, de desabafarem. A solidão apenas provoca isolamento e, certamente, lágrimas e choro.

Solidão nos mais velhos que deixaram de ser visitados, que foram, porque de risco, considerados perigosos para abraços, perigosos para momentos sociais, perigosos para estarem nos lares, perigosos para estarem em casa, enfim, perigosos. E fortemente estigmatizados. Como fortemente segregados. Retiraram-lhes afetos e proximidades, jogos de cartas, passeios no parque, compra de jornais, subidas e descidas de rua. Sentarem-se, simplesmente, num banco do jardim, ou apenas irem à janela ver passar quem passa. Porque pouco passa e a graça não é a mesma.

O isolamento provoca solidão. O afastamento social provoca solidão. A solidão mata, mina, destrói a vida que construímos e conhecemos enquanto seres sociais, com todos os defeitos que tenha, e paralelamente assola, também, a lógica de uma certa economia. Constrói certamente outra, mas uma economia mais acética, se ela existe, de afastamento, de isolamento, de confinamento. De digital à exaustão. De compras à distância. De entregas em casa. De poucos aviões, restaurantes, hotéis, salas de espetáculos. Constrói um mundo educacional híbrido ou à distância. Priva, tolhe, menoriza a essência do ser humano. E edifica, sim, edifica no isolamento, em soluções anti-gregárias, em soluções e criações de solidão.

O homem não está preparado para esta solidão.

Os danos de solidão serão francamente superiores aos danos virais. A todos os níveis. E por mais que me procurem convencer, agora que as coisas já passaram os estádios iniciais e já sabemos bem mais sobre tudo isto, que a vida está primeiro, e está, que as coisas estão piores, e estão, de que vamos ter de nos isolar seja de que forma for. E estou muito pouco convencido de que o futuro nos traga coisas boas por via desta solidão. Não defendo o não cumprimento de regras. Seria um absurdo. Mas também não consigo compreender, como não encontrar um híbrido entre regras e bom senso social.

Soluções não tenho. Ninguém as tem. Aliás, se existissem já as saberíamos.

Qual o objetivo deste escrito? Nenhum além do grito, de coração, de que não nos podemos deixar cair, enquanto pessoas e sociedade, na solidão.

Desporto, filmes para rir, conversas telefónicas (e não mensagens), passeios de campo e mar, tudo, mesmo tudo o que for possível a cada qual para não se deixar entrar em solidão.

Porque os tempos que aí vêm vão ser violentos. Vão mesmo.

E recuso-me, por mais belo que seja o Solidão de Fernando Pesssoa, a ceder-lhe no que seja. Não quero ceder à tentação, sequer, de pensar “Quando estou só reconheço, se por momentos me esqueço, que existo entre outros que são como eu, sós, salvo que estão alheados desde o começo.”

Não estou só. Não estamos sós. Temos é um trabalho gigante pela frente.