Entre 1986 e 2011 Portugal recebeu de Bruxelas perto de 90 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão. Já de 2011 a 2014, e para evitar a bancarrota, o estado português recebeu mais 76 mil milhões de euros. Não fosse todo este dinheiro e nem quero imaginar como seria se não estivéssemos na União Europeia. Perante isto há uma pergunta que se impõe: somos ingovernáveis?

Em Janeiro de 2018 tive oportunidade de organizar uma tertúlia com o Grémio Literário sobre a dívida pública portuguesa durante o século XIX e os primeiros anos do século XX. Para tal contámos com dois historiadores, Maria de Fátima Bonifácio e Rui Ramos. Ambos demonstraram de forma exemplar como o país viveu endividado durante esse período. A vida era melhor em 1920 do que em 1820? Claro que sim. Mas mais devido à evolução tecnológica ocorrida durante essas décadas que às medidas governamentais. Vivemos hoje melhor que em 1920? Naturalmente que sim e pelas mesmas razões que em 1920 se vivia melhor que em 1820. Na essência o país melhorou não devido ao seu governo, mas porque foi atrás. Melhorou porque se situa num canto da Europa, suficientemente longe do epicentro dos conflitos e relativamente perto para beneficiar dos períodos de expansão. A nossa história é como se vê uma bela mistura de azar e sorte.

Quando Portugal aderiu à CEE esperava-se (era esse o discurso político) que, após alguns anos, o país atingisse o nível de desenvolvimento e de vida dos mais ricos. Tal não aconteceu. Pelo contrário fomos ultrapassados pelos países do leste europeu que, em 1986, viviam debaixo do jugo comunista. Fomos ultrapassados, em PIB per capita, pela Eslovénia, a Eslováquia, Estónia, Malta e República Checa. Aproximaram-se de nós a passos largos a Hungria, a Letónia, Polónia e a Roménia. Outro país que nos deixou para trás foi a Irlanda. Esta ilha afastada do centro da Europa multiplicou por quatro o seu PIB per capita entre 1995 e 2019. A comparação com Portugal é confrangedora para quem acredite que podíamos melhor.

Vivemos em 2020 melhor que em 1986? Sem dúvida que sim. Mas tal deveu-se mais ao avanço tecnológico ocorrido desde então (e que foi gigantesco) que aos nossos governos.  Pior: apesar dos milhões recebidos atrasámo-nos relativamente aos nossos parceiros europeus. Vivemos melhor que no passado mas comparativamente aos outros países da União estamos pior.

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Encontramo-nos perante um dilema: por um lado o euro dá-nos imenso jeito e também o acesso aos mercados internacionais. Por outro é uma moeda demasiado forte para a nossa produtividade que resulta da falta de capital acumulado. Ou seja, se a moeda única europeia nos protege da inflação e da desvalorização do escudo, o euro força-nos à austeridade porque o socialismo odeia o capital e as empresas independentes do poder político. Perante este cenário a solução dos governos é pedir emprestado e que o país aperte o cinto.

Mas o que me levou a colocar a questão que intitula esta crónica foi o convite de António Costa a António Costa e Silva, um desconhecido para a maioria do país que de repente é apresentado como um génio da economia, um homem que em dois dias planeou a vida de um país para dez anos. Um homem tão isento de qualquer crítica que não se sujeita a ser ministro, nem à fiscalização parlamentar daí inerente. Um homem providencial (um tique de que o país se julgava liberto) que vai colocar a economia (os cidadãos) na ordem. Mas lemos melhor a notícia e ficamos a saber que António Costa Silva concluiu (no seu estudo feito em dois dias) que é preciso “mais Estado na economia”. Diz ele que “Esta crise mostrou que o papel do Estado tem de ser revalorizado. O Estado é o último protector de todo o tipo de ameaças”. Ou seja, não parece que tenha descoberto a pólvora. De modo que, das duas uma, ou António Costa Silva não é assim tão genial porque diz o que os socialistas já dizem ou não é assim tão genial porque diz o que o país já experimentou e não deu certo.

É por isso que é importante escutar bons historiadores. Naquele dia de Janeiro de 2018 Maria de Fátima Bonifácio e Rui Ramos fizeram-nos ver que a história se repete quando os erros se reproduzem. Tal sucede quando falta espírito crítico, quando aceitamos o que nos lançam para o olhos. Quando nos tornamos ingovernáveis porque não aprendemos com o erro. É o preço a pagar quando alguns líderes políticos repetem à exaustão que somos os melhores porque sim. Sem razão aparente para tal limitamo-nos a ser ingovernáveis debaixo de uma aparência de governabilidade que advém da indiferença.