Mesmo depois do que aconteceu com Trump nos Estados Unidos e com o referendo sobre o «Brexit», não há maneira de os produtores de sondagens aprenderem a apresentar os seus resultados, para não falar da qualidade raramente perfeita com que elas são feitas. Num país como Portugal, onde praticamente apenas uma empresa com um registo discutível — estou a falar da Eurosondagem, que trabalha para o grupo Impresa – vai alimentando a má-língua política e onde perto de 50% de eleitores inscritos se têm abstido de votar nos últimos anos, num país com estas características, convém escalpelizar minimamente os títulos e comentários jornalísticos proporcionados à opinião pública por estes exercícios de duvidosa precisão (aqui e aqui)!

Numa altura em que a desordem política internacional atingiu o máximo da turbulência das últimas décadas, com as enormes pressões externas e internas feitas sobre a União Europeia; com a debilidade da Comissão dirigida pelo patético Sr. Juncker; com o «Brexit», que deixou os arrogantes ingleses sem pio perante o que está para vir; com a inesperada eleição, sempre segundo as sondagens, de Donald Trump, cujos efeitos para os Estados Unidos serão certamente menores do que para a situação global; com um Obama a 15 dias de se ir embora a fazer ameaças que, como isolacionista envergonhado, nunca cumpriu antes; enfim, com um barquinho de papel como é Portugal a tentar passar despercebido no meio do vendaval, não se pode – ou não se devia! – vender ao público sondagens que pouco de substancial dizem, salvo que tudo está mais ou menos na mesma que há um ano, só que entretanto a dívida aumenta e o dinheiro falta…

Se não, vejamos a ficha técnica. A empresa em questão terá feito 1.168 tentativas de contacto por telefone fixo (isto num mundo, sobretudo urbano, onde a maioria das pessoas apenas usa telemóvel!) e só 13% (só?!) teriam falhado, sendo validadas um pouco mais de 1.000 entrevistas, das quais 21% apenas dos inquiridos teriam recusado declarar a sua intenção de voto. Tudo isto é extraordinário, sabendo-se que, no caso de eleições próximas, haveria sempre um mínimo de 40% de abstenções!

Basta dizer que, nas legislativas realizadas há perto de 15 meses, abstiveram-se mais de 44% dos eleitores aos quais se acrescentaram 3,75% de votos brancos e nulos, ou seja, cerca de 48% de rejeição da oferta partidária. Daqui decorre o erro em que as empresas incorrem sistematicamente ao distribuir os votos «indecisos» de forma proporcional pelos partidos com vista a apregoar esses alegados resultados pelos jornais e televisões. Por fim, a permanente «espiral do silêncio» diz-nos que os «indecisos», se e quando chegarem a votar, nunca se sabe se a sua decisão será contra ou a favor das tendências apontadas com tão pouca responsabilidade pelas empresas de sondagens e pelos jornais!

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A estes resultados técnicos já de si tão precários, soma-se o facto de a empresa em questão reconhecer uma margem de erro superior a 3%, que é o mínimo que se verificará, segundo a experiência passada, quando houver eleições, ninguém sabe quando… Se porventura a sondagem viesse a coincidir com o resultado final, seria meramente por acaso… Uma margem de erro de mais ou menos 3% para cada lado significa, no limite, que dois partidos separados por 6% nas sondagens poderão chegar ao fim empatados! É improvável que tal suceda. Em contrapartida, a empresa em questão não tem pejo em apresentar como potenciais vitórias e derrotas eleitorais alterações das intenções de voto partidário que estão, todas elas, dentro da dita margem de erro.

Por que os leitores não se deixem enganar, convém dizer que é tecnicamente ridículo comentar como ganhos ou perdas de partidos cujas alterações nem chegam a 1%, tirando o PS que obteria um fantástico ponto percentual a mais em relação à sondagem anterior. Na realidade, estes microscópicos pontos percentuais significam que nada mudou nas últimas semanas e pouco de substancial se alterou em 15 meses de «bodo aos pobres». Com efeito, observa-se que PSD+CDS têm, somados, 37% das intenções de voto: a mesma votação que a coligação dos dois partidos teve em 2015! Pelo seu lado, a coligação frentista, que teve 50% em 2015, teria agora, segundo esta sondagem, cinco pontos percentuais a mais mas o PS estaria muito longe de ganhar a maioria absoluta.

Na realidade, a mudança mais relevante que poderá ter ocorrido é que o BE e o PCP perderam em conjunto 2,5% dos seus votos para o PS, o qual pode ter ganho outro tanto de antigos abstencionistas. É possível mas tudo isso remete para a percentagem efectiva de abstencionistas no dia das próximas eleições, do seu perfil sócio-demográfico, bem como da evolução económica e política do país daqui até lá. Certo, finalmente, é algo a que já aludi mas que a comunicação social tem varrido para debaixo do tapete, a saber, as duas muletas que serviram ao PS para fazer governo poderão estar a perder votos. Se assim for, haverá em breve briga entre os membros da «geringonça»!