Senhor ministro da Educação, permita-me uma interpelação a propósito da sua decisão de extinguir progressivamente os contratos de associação. Recorro a um exemplo concreto que, estou certo, conhecerá. Existem duas escolas públicas no concelho de Santa Maria da Feira. A primeira, em Paços de Brandão, é uma escola pública dita tradicional, propriedade do Estado, e está praticamente sem alunos. A segunda, o Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas, é uma escola pública com contrato de associação, de propriedade privada, que tem 74 turmas financiadas pelo Estado. Ambas são identicamente gratuitas e ambas cumprem as mesmas regras de não-selecção de alunos no momento da matrícula – da perspectiva dos direitos e deveres do aluno e da sua família, a frequência de uma ou de outra é absolutamente indiferente. Mas, como notará, para os pais alguma diferença existe em termos de percepção de qualidade, de confiança na instituição ou de identificação com o projecto educativo – é por isso que, podendo matricular os filhos numa ou noutra escola, a de Paços de Brandão está vazia e a de Santa Maria de Lamas está cheia.

Ora, todos no país sentimos os efeitos da austeridade e todos aprendemos que, goste-se ou não, os tempos são de poupanças. Como tal, nestes tempos de cinto apertado, financiar duas escolas quando apenas uma é necessária representa um desperdício. Isso é perfeitamente compreensível. A decisão política que lhe cabe, sr. ministro, reside portanto na deliberação sobre qual das duas ofertas se deve suspender: ou fechar a escola pública tradicional em Paços de Brandão (que está praticamente vazia) ou terminar com o financiamento das turmas com contrato de associação no colégio de Santa Maria de Lamas (que está praticamente cheio).

O bom senso aconselharia que, a manter apenas uma, fosse aquela que os alunos e famílias escolheram e com a qual se identificam – aquela que está cheia. Mas, segundo informou a sua secretária de Estado da Educação, o seu Ministério estará decidido a dar primazia às escolas do Estado, terminando com o financiamento a contratos de associação e, neste caso, enchendo a escola que hoje está vazia com os alunos que a rejeitaram numa primeira instância. A decisão é, como espero que venha a compreender, um absurdo.

Note, por favor, que este exemplo de Santa Maria da Feira não foi inventado por mim, para exposição da incoerência da sua decisão política. Foi mesmo este o caso concreto que a secretária de Estado utilizou para justificar a opção de terminar contratos de associação. Não duvido que a sua posição esteja bem sustentada juridicamente. No entanto, o ponto vai muito para além disso e seria difícil de imaginar situação de cegueira política mais caricata: é que, em vez de ponderar, em cada caso, qual é melhor opção para os alunos, o Sr. ministro vai por definição escolher as escolas das quais o Estado é proprietário, terminando contratos de associação só por serem com privados – aceitando que, inevitavelmente, através desse critério haja casos em que os alunos ficarão pior servidos, como em Santa Maria da Feira. Essa é, por muito que custe reconhecê-lo, uma expressão de radicalismo ideológico.

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Enfim, sei que o tema é dado a mal-entendidos e enganos, pelo que me antecipo às suas réplicas. É certo que as escolas privadas com contrato de associação são financiadas pelo Estado para prestarem serviço público e para que os alunos as frequentem como uma outra escola pública qualquer – sem encargos financeiros. E sim, é certo, os contratos de associação foram criados originalmente para garantir o acesso universal à educação onde o Estado não chegava geograficamente. Mas, se hoje esse motivo original já raramente se aplica, julgo que reconhecerá que romper com esses contratos traduz-se, em determinadas situações, em impedir jovens de frequentar escolas bem preparadas para responder às suas necessidades ou, simplesmente, escolas que agradam mais às suas famílias do que as escolas do lado. E isso, quero acreditar, não pode ser irrelevante para um ministro da Educação.

Sei, também, que a sua Secretária de Estado se apoia no chamado princípio da primazia do Estado: havendo uma escola do Estado com vagas para todos os alunos de determinada zona, deve então cessar o acordo com entidades privadas para a prestação de serviço público. À primeira vista, tem a sua lógica. Mas, à segunda olhada, deixa de a ter: e se, numa ou noutra circunstância, o Estado prestar pior serviço educativo do que a escola com contrato de associação, qual o sentido de optar pela pior solução para os alunos? O erro da sua Secretária de Estado é, por isso, simples de explicar: o princípio da primazia do Estado está datado e não se deve sobrepor ao princípio da garantia do melhor serviço educativo possível.

A razão pela qual lhe escrevo encontra-se, portanto, num duplo apelo à sua ponderação política. Primeiro, que entre duas opções de serviço público gratuito e universal, faça prevalecer aquela que oferece melhores garantias de qualidade aos alunos – independentemente de a gestão e o edifício serem do Estado ou de um privado. Ou seja, onde houver duplicação desnecessária de oferta pública, que o sr. ministro feche a escola que responda pior às necessidades da comunidade, seja ela estatal ou privada com contrato de associação. Segundo, que respeite as famílias e as suas escolhas, mas também as centenas de professores que, durante anos, prestaram serviço público nesses colégios. Como? Não tomando decisões à pressa e por preconceito, que terão um impacto brutal nas suas vidas, à porta da preparação do próximo ano lectivo.

Sim, eu sei que aceitar o meu apelo implicaria fazer exactamente o contrário do que decidiu fazer. Mas, confesso-lhe com sinceridade, julgo mesmo ser esta a única posição possível para um bom ministro da educação, pois só esta dá privilégio à qualidade do serviço educativo e ao bem-estar dos alunos. De resto, as restantes posições, a de defender as escolas do Estado por serem do Estado ou as privadas por serem privadas, são duas faces do mesmo radicalismo ideológico que vê, erradamente, no proprietário da escola uma garantia de qualidade – e a realidade tem muitos tons de cinzento, pois há boas e más escolas estatais, tal como há boas e más escolas privadas. Resiste, pois, a esperança de milhares de famílias que o Sr. Ministro não tropece nesse radicalismo que, voluntariamente ou não, constitui um ataque ideológico contra as escolas com contrato de associação e uma submissão à agenda de quem vive do sistema educativo mas é inimigo da educação. Ainda não é demasiado tarde.