Durante sete anos o Presidente da República alimentou politicamente António Costa. Foi o período da descrispação após a implementação do programa da troika para que os salários continuassem a ser pagos e se corrigissem os erros cometidos pelo PS sob a égide de José Sócrates. Mas também porque o Partido Socialista perdera as eleições em 2015 e, apesar disso, era governo. As feridas eram muitas e, nessa altura, Marcelo Rebelo de Sousa entendeu que o importante era curá-las.

A sua esperança, ou expectativa dependendo da base que sustentava a sua convicção, seria que a economia desse sinais de retoma, a vida dos portugueses melhorasse e os ânimos serenassem. Não foi isso que sucedeu porque os fundamentos para que tal acontecesse não existiam. Os sinais de retoma da economia não eram sustentáveis, alimentavam-se nos juros baixos, na dívida pública comprada pelo BCE e num crescimento alicerçado apenas no turismo. A vida dos portugueses não melhorou, estes acabaram por se habituar, conformaram-se ou voltaram a emigrar e, consequentemente, os ânimos continuam exaltados. A deterioração do conceito de bem-público, de serviço público, do que é viver em comunidade, o exemplo de respeito mútuo que os políticos devem ter uns pelos outros, a promiscuidade entre Estado e negócios, que as nacionalizações acentuaram, contribuíram para o estado de desalento e de frustração que se sente fora do largo do Rato.

Ou seja, o objectivo estabelecido por Marcelo Rebelo de Sousa para os seus mandatos presidenciais falhou. Foi pena, até porque não faltaram avisos em sentido contrário. Mas não interessa agora apurar responsabilidades, simplesmente apontar uma evidência, duas neste caso, porque se Marcelo falhou, também tem tempo de sobra para se emendar.

É triste reconhecê-lo, mas se o principal desafio em 2015 era o país desenvolver-se sem se endividar, sete anos passados, há um outro mais grave que a este se junta: a defesa do Estado de direito democrático que pressupõe a mudança de governo sem violência. Esta não tem de ser física, passar por revoluções ou golpes de estado. A violência pode ser verbal, implicar a mentira e as meias-verdades, a impudência e o descaramento com que se nega qualquer contribuição para a causa pública. Passa pela irresponsabilidade. Ora, o PS agiu de forma indecorosa entre 2011 e 2015, desde então governa desse modo e parece certo que fará pior caso perca as próximas eleições.

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Uma democracia presume alternância pacífica, respeito pelos resultados eleitorais. Tem como consequência que quem perde se corrige, se emenda, tenta perceber onde falhou, como falhou e procura melhorar. Actualmente, o grande perigo é que o PS, mesmo quando perde, não aceita a derrota nem se compromete com o exame de consciência que perder implica.

É aqui que o Sr. Presidente da República entra. Aproveite, por favor, os anos que faltam até final do seu último mandato para que uma democracia normal se restabeleça. Não pactue com o PS nem com António Costa; não divida a direita nem levante dúvidas quanto à alternativa. Colabore com o governo, sem dúvida, mas aponte as suas falhas. Seja assertivo, não aceite falta de explicações ou a simples desvalorização do que não está certo. Fale com as pessoas, o Sr. Presidente tem muito jeito para isso, para as escutar, para se fazer ouvir. Mostre que está ao lado delas, que as compreende. Mostre o mundo real às televisões. Não aceite, não permita que se pisem as elementares regras do Estado de direito. Não se misture com a elite socialista; afaste-se, eleve-se, ocupe o seu lugar, não se deixe instrumentalizar. Seja o Presidente da República.

O PS governa desde 1995. Os períodos em que não o fez foram apenas intervalos. O PS nunca mudou com as suas derrotas, pelo contrário, voltou com mais força, com mais raiva e ainda mais intolerante. O desafio do Portugal político é pôr termo a esta situação. Colocar um ponto final nesta realidade que põe em causa a essência da democracia, que é a alternância não violenta do governo. O Sr. Presidente ainda tem dois anos e meio para o conseguir. Se o fizer, terá ajudado em muito a democracia portuguesa. Esse pode ser o seu legado. Permita que lhe diga, atenta as circunstâncias e depois do tempo perdido, que não seria pouco.