Sou paulistana e tenho a consciência de que São Paulo é uma cidade muito estressante. De fato, para alguém nascido nessa minha megalópole, a vida em Lisboa parece um sossego, tendo em vista que a cidade é pequena, as distâncias são curtas e o trânsito, em tese, não é tão difícil.

E, de um modo geral, a vida em Portugal é uma delícia. Tudo parece menos complicado: deslocamentos, filas, passagens, travessias. Mas confesso que me enganei quando imaginei que as pessoas aqui seriam mais calmas do que meus conterrâneos paulistanos ou que outros brasileiros que vivem em cidades imensas.

Já escrevi afirmando que não acho que os portugueses sejam grosseiros. Já entendi que a timidez associada ao seu discurso direto e reto pode soar como rispidez, mas que no fundo não é isso. Eu adoro os portugueses. E por isso mesmo me preocupo com esse surpreendente nível de stress que domina por aqui.

Eu não sei o que acontece. Por vezes me parece que os portugueses normalmente são obrigados a conter as próprias emoções e acabam por canalizá-las em situações estranhas nas quais tornam-se assustadoramente agressivos ou nervosos. Ou talvez seja um clima generalizado de permanente descontentamento, transformando em uma constante tensão.

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Já perdi as contas do número de brigas que vi em Portugal. Brigas de verdade, com pancadaria e tudo. Já vi na faculdade, no trânsito, na rua, no estádio e até dentro do avião. Brigas entre homens, entre mulheres, entre jovens e entre velhos. Embora o Brasil seja um país com problemas de violência, esse tipo de briga acontece muito, muito menos por lá. Praticamente não tenho registro dessas coisas na minha memória, salvo na noite, entre embriagados ignorantes.

O trânsito é um capítulo à parte, que merece um texto exclusivo. Nunca vou entender o que acontece com os portugueses quando se sentam em frente ao volante. Achei que poderia ser um mal só de Lisboa, mas já viajei o suficiente para entender que infelizmente não se trata de uma exclusividade da capital. Os gritos, os xingamentos, os braços gesticulando para fora da janela, as buzinas incessantes. Dirigir no caos do Rio de Janeiro chega a ser mais tranquilo do que dirigir em Lisboa. Simplesmente desisti de dirigir em Portugal. Chegava em casa com o coração acelerado. Isso não pode ser normal.

Além das brigas físicas, também me surpreendi com as brigas verbais. Em todos os prédios onde morei em Lisboa, ouvia vizinhos brigando, aos berros. Foi outra novidade para mim. Mais de uma vez cogitei chamar a polícia, até entender que aquilo era algo rotineiro para centenas de pessoas.

Outra coisa que me assustou foram os caixas de supermercado. Sempre fiz compras em São Paulo- terra do trabalho urgente, do trânsito intenso, de correr contra o relógio- e nunca me senti apressada pelo cliente de trás, nem pelas pessoas que trabalham no mercado. Já aqui, chego a sentir meu coração da boca enquanto tiro os produtos do carrinho, procuro meu cartão correndo e digo meu número de contribuinte aos tropeços, tamanha a pressão que se faz ali. Um stress inédito para mim. Mesmo que seja um domingo às quatro da tarde, ninguém consegue estar relaxado.

Quando comecei a namorar meu marido, que é português, um dia me queixei que ele era incapaz de “pegar leve”, de levar as coisas na boa, com menos tensão. Minha irmã, que na altura já era casada com um português, me disse “Rú, aprenda desde já, os portugueses são pessoas fantásticas, mas absolutamente incapazes de pegar leve. Pegar leve é uma coisa nossa.”

Hoje entendo perfeitamente o que ela disse. E acho que nós, brasileiros, pegamos leve demais às vezes. Se não pegássemos tão leve não estaríamos compactuando com um golpe de Estado. Mas acho, por outro lado, que os portugueses precisam aprender a pegar minimamente leve. A tolerar alguém que demora 3 segundos a mais para andar quando o sinal fica verde, a não deixar que coisas pequenas se tornem brigas, nem que brigas cheguem ao cúmulo que é a violência, nem a achar que 50 segundos a mais no supermercado valem mais do que a sua cortesia com a pessoa que está na frente.

Nem digo isso por mim ou por qualquer outra pessoa que se assuste com esse stress todo. Nós somos o de menos. Digo isso porque adoro esse país, adoro esse povo e porque gostaria que os dias por aqui fossem genuinamente mais tranquilos e mais felizes.