A reindustrialização nacional está na moda, proposta por diversos trendsetters, discutida em vários fóruns, e altruisticamente defendida por várias organizações de industriais. A ideia é interessante e não é totalmente desprovida de mérito, mas existem diversos fatores que contribuem para o constrangimento do potencial de reindustrialização lusitana. Ninguém os terá identificado com mais acúmen que o Prof. André Vilares Morgado que, numa análise serena, profunda e bem informada, recentemente publicada no Observador, nos oferece pistas para a sua superação.1 O que se segue mais não é que um modesto subsídio ao diagnóstico aí feito, depois de numa peça anterior já se ter frisado duas das grandes vantagens do esquema no presente contexto nacional.

O primeiro constrangimento mencionado é o da descapitalização. À tendência secular dos portugueses para se descapitalizarem2, junta-se atualmente o imperativo constitucional de trilhar o caminho para u socialismo. Como o objetivo primário du socialismo é combater a acumulação de capital3, de que são exemplos paradigmáticos de sucesso4 a China Popular (1949-1979), Cuba (1959—presente) e Venezuela (1999—presente), com efeitos tão positivos e benéficos no aumento da equidade, justiça, bem estar, igualdade, qualidade do ambiente e felicidade das respetivas populações, a descapitalização com o objetivo de atingir estes mesmos fins é agora um dos princípios orientadores da nossa política5 económica.

Não é que, dentro deste desígnio nacional e contexto institucional, não seja possível promover a micro-capitalização pontual de amigos & compadres, já que o que se pretende é a supressão do capital ao nível macro, pois u socialismo é, por essência, não só uma sócio-ideologia, mas também uma macro-ideologia, preocupada com os grandes problemas societários e das massas, não com coisas mesquinhas como pessoas concretas que não sejam sócios6 du ps.

Esquemas para promover essa micro-capitalização essencial para a reindustrialização nacional não faltam. Se um dos nossos capitalistas estiver descapitalizado, basta ir a um banco, fazer prova informal de que é filiado7]nu ps ou nu be, que lhe será fornecido todo o capital que necessita, mais uns trocos, para o seu projeto8 industrial. Se esse projeto qualificar como estratégico num dos eixos do Plano de Recuperação Económica de Portugal, nem sequer precisa de ir ao banco, basta telefonar para um ministério e falar com um vice-subsecretário de estado adjunto estagiário: o estado entrará com uma participação maioritária e ceder-lhe-á a gestão, sendo que, no caso improvável de a coisa vir a dar dinheiro, a participação pública lhe será vendida por tuta-e-meia. Não será portanto por falta de capital que Portugal não se reindustrializará.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O segundo constrangimento diagnosticado é a falta de formação dos nossos empresários e dirigentes. Dito de outro modo, os capitalistas nacionais não só não têm capital, mas nem sequer têm cabeça. Isto porque, na visão dos promotores da reindustrialização nacional, os nossos potenciais industriais não têm os conhecimentos e competências necessárias para gerir bem o capital que não têm, nem o que poderão vir a ter se se filiarem nu partido du guverno. Para fundamentar este argumento é citado um estudo que “retrata um país em que os empresários têm, em média, menos qualificação escolar que os trabalhadores”.

A ilação mais simples e lógica que se pode tirar deste finding científico é que o sistema escolar do nosso país, se não mata, pelo menos esfola o espírito empreendedor e a vocação industrial aos nossos jovens. Se a esta conclusão juntarmos a observação de que os falhanços de gestão mais estrondosos e as falências mais mediáticas dos últimos 50 anos em Portugal foram em empresas (e governos) geridas por srs. drs. & srs. engs., chega-se à recomendação óbvia de que uma medida essencial para a reindustrialização portuguesa passa pela abolição da escolaridade obrigatória.

Aliás, este não é um fenómeno unicamente lusitano. A grande maioria dos grandes e abomináveis capitalistas, que lançaram novas indústrias e criaram impérios industriais, que cresceram e prosperaram através da exploração do homem pelo homem, da destruição dos ecossistemas naturais e da depleção de recursos não renováveis, mal puseram os pés na escola. Alguns exemplos são Andrew Carnegie (1835—1919) que apenas fez a primária, Thomas Alva Edison (1847—1931) que foi ensinado a ler, a escrever e aritmética em casa pela mãe, e John D. Rockefeller (1847—1937) que fez um curso de dez semanas de contabilidade depois da escola secundária.9 E para que não se diga que estes exemplos estão datados, será que basta mencionar os casos Steve Jobs e Bill Gates?

Uma lacuna grave na mencionada lista de constrangimentos à urgente10 reindustrialização nacional é não referir a falta de operários que são, por enquanto, atores essenciais na vida de qualquer fábrica. Há falta de operários em Portugal por vários motivos. O primeiro é falta de gosto & vontade por trabalhos repetitivos e mecânicos, a que se junta a tendência generalizada—à medida que descemos na pirâmide etária—para se fazer aquilo pelo qual se tem passion, não aquilo em que há opportunities. Outro é a relativa falta de oportunidade para chegar a cargos diretivos numa fábrica, especialmente quando comparado com a maioria das atividades do setor terciário. Num jornal, por exemplo, quem não consegue ser um dos publishers ou dos diretores pode sempre ser ‘editor-chefe das alterações climáticas’ se já houver um ‘editor-chefe do aquecimento global’. Se por feitio os portugueses não gostam de fazer, têm passion por mandar: no nosso país uma centúria não é um grupo de cem soldados comandados por um oficial, mas cem oficiais sem soldados ou, quanto muito, com um, o que remete para o terceiro constrangimento mencionado pelo autor—uma cultura de conflitualidade e de pouca colaboração entre portugueses. Outro motivo para a falta de operários é o excesso de talento, de competências e de skills que o nosso sistema de ensino proporciona aos nossos jovens em tudo o que seja irrelevante para a produção industrial. Os portugueses darão para operários de escritório e operadores de teclado—que será, sem dúvida, o futuro no resto do mundo depois da quarta revolução industrial, mas que há muito já é realidade em Portugal, pelo menos desde o tempo do Marquês de Pombal—mas isso de operar máquinas e seguir processos não é com eles.

O quarto constrangimento mencionado é a ‘criação de valor’, sendo, nota o Prof. André Vilares Morgado, necessário ‘oferecer ao mercado produtos com alto valor acrescentado’. Aqui será bom notar que, atualmente, o ‘alto valor acrescentado’ não se encontra no processo industrial, mas na conception, design & servicing de produtos e serviços. Dito de outro modo, o valor não está no produto em si, nem sequer na sua produção industrial, mas na sua capacidade de responder a necessidades insatisfeitas dos consumidores.

Que não é na produção industrial da coisa que está o seu valor, mas no uso que se lhe pode dar para satisfazer necessidades insatisfeitas é um princípio conhecido desde a alta antiguidade, mas frequentemente esquecido. Um dos exemplos mais antigos é relatado por Mestre Zhuang 荘子 (c.369—286 a.C.) relativo a um episódio ocorrido no início do primeiro milénio a.C.:

“Havia em Song um homem perito na manufatura de um unguento que não deixava a pele das mãos rachar. [Devido à proteção desse unguento] a sua família tinha ganho a vida a branquear seda em água, geração após geração. Um dia, um viajante ouviu falar da propriedade desse unguento e ofereceu cem medidas de ouro pela fórmula. O homem convocou toda a parentela para um Conselho de Família e disse: ‘Temos branqueado seda, geração após geração, e ao longo de todo este tempo não ganhamos mais que umas poucas medidas de ouro. Mas agora, se vendermos o nosso segredo poderemos ganhar cem medidas de ouro numa manhã. Partilhemos com este homem a nossa fórmula!’

“O viajante aprendeu a fazer o unguento e introduziu-o no reino de Wu que estava em conflito com o reino de Yue. El-rei deu o encargo das suas tropas a este homem e no inverno elas travaram uma batalha naval contra os guerreiros de Yue, que levaram de vencida [porque o unguento, ao impedir a pele das mãos dos soldados de se rachar, lhes permitia ter mais agilidade no manuseamento de flechas, espadas e lanças]. Parte do território conquistado foi atribuído a este homem como seu feudo. O unguento tinha em ambos os casos o poder de impedir que a pele das mãos se rachasse; mas um homem usou-o para ganhar um feudo, enquanto o outro nunca fez mais nada na vida senão branquear seda. O unguento era o mesmo, mas eles usaram-no de maneira diferente.”

Zhuangzi, Volumes Interiores, 1-7

Este princípio, de que o valor de um produto está na sua capacidade para resolver problemas e satisfazer necessidades—materiais ou psicossociais— de clientes que necessitam de soluções, continua a ser frequentemente ignorado e esquecido. O que todos os proponentes da reindustrialização nacional ou ignoram, ou esquecem, é que o processo de produção industrial contribui, em regra, entre o nada e o quase nada para a satisfação de necessidades do cliente. Isto é patente para uma vasta gama de produtos, desde roupa de marca de senhora a iphones e gadgets afins, onde a contribuição da produção industrial para o valor final da coisa varia entre o irrisório e o negligível.

Outro exemplo de que não é a produção industrial que por si cria valor é o de o sistema industrial soviético dos anos 60 e 70: tecnologicamente avançado à data, mas cego para as necessidades das pessoas devido à inexistência de mercados concorrenciais e de preços livres, produzia quantidades enormes de coisas que não interessavam a ninguém, porque não lhes satisfaziam nenhuma necessidade real (e não é que necessidades reais então não faltassem…) mas apenas as diretivas do plano11. E qual é o valor de uma coisa, mesmo que seja um produto industrial ‘de alto valor acrescentado’, que ninguém quer? Zero!

Mas será que os verdadeiros constrangimentos à reindustrialização do nosso país são de facto a falta de capital e de cabeça dos nossos capitalistas, a falta de braços e vontade dos nossos operários, e de não ser na produção industrial que se cria verdadeiramente valor? Não será que o nosso aparato regulatório neo-soviético, a celeridade trabantiana do nosso sistema judiciário e a voracidade pantagruélica do nosso sistema fiscal também não constituem constrangimentos à nossa reindustrialização? Mas, mais determinante que todos estes obstáculos, não será antes que o verdadeiro constrangimento ao sucesso económico nacional—seja ele industrial, agrícola ou outro—a falta de uma cultura de serviço às reais necessidades dos nossos semelhantes, livremente expressas em mercados concorrenciais, que são as verdadeiras opportunities onde se cria valor?

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam

[1] Declaração de desinteresse: u author é amigo e colegu do Prof. Vilares Morgado—e não suficientemente cínico para duvidar que esta peça não porá em causa nem colaboração, nem amizade futura.

[2] Descapitalização: passar a escrever com minúsculas o que anteriormente era capitalizado, como a sigla dos partidos que ganharam em barriga o que perderam em cabeça; perda ou diminuição de capital3; neste último sentido a descapitalização é uma tendência permanente e constante em Portugal, mas é mais aparente & visível quando o capital caído do céu ou herdado de uma longa noite é significativo & pesado, tal como aconteceu nos séculos 16 & 18 e em 1975-78.

[3] Capital: Sede do desgoverno nacional: neste sentido, a planeada regionalização mais não será que um aspeto da tendência secular para a descapitalização em Portugal; aquilo que os portugueses não têm, o que só prova a sua falta de cabeça; pena —: punição antiga cuja justiça e eficácia é questionada por Sua Santidade e por todas as associações de malfeitores, sendo que a permanente descapitalização nacional e falta de cabeça do portugueses há muito que levou à sua impraticabilidade no nosso país; aquilo que financia o pcp, be e todos os movimentos anticapitalistas nacionais e estrangeiros; aquilo que é importante como em “para u ps se manter nu guverno é capital que os portugueses não tenham cabeça”—sendo o atual guverno mais uma evidencia da crónica descapitalização nacional; pecado —: pecado que faz perder a cabeça.

[4] Sucesso: pecado capital contra a virtude da igualdade; dois sinais exteriores de sucesso são magreza intelectual e gordura corporal.

[5] Política: arte de fazer ‘serviço público’ render ‘proveito próprio’; técnica para monetizar esperanças alheias; luta de interesses pessoais mascarada de debate sobre princípios.

[6] Sócio: membro de uma organização com fins lucrativos, como partidos políticos e organizações ambientalistas. Também denominado, com ternura, filiado7, ou em contexto mais bélico, militante.

[7] Filiado: (do latim filius) considerado como filho; protegido e alimentado como filho; membro de um partido político que ainda não obteve aquilo para que se filiou. Curiosamente, no caso dos warxistas12 do ps/d e be, apesar de os filiados nunca serem desmamados, nunca são considerados inviáveis ou parasitários. O mesmo não acontece no pcp, que purga com alguma regularidade, sempre que ocorre uma obstipação interna, warxistas que se desnaturaram. O termo “purga” é indicativo, na sua grafia e estética, de como o partido considera a natureza dos seus militantes. Certamente também é indicativo, se bem que involuntariamente, da natureza coprostásica da dita organização e da ideologia que professa. Um warxista famoso, Leon Trotsky (1879—1940), depois de ser purgado teve a cabeça aberta com uma picareta. Fica a dúvida: para que servem a foice e o martelo? Trotsky não foi o único a ter este fim. O que demonstra que os warxistas, na sua luta contra o bom, o belo e o verdadeiro na Humanidade, não só tratam as pessoas como porcos, mas se relacionam ente si como suínos.

[8] Projeto: um tipo de encantação mágica para conjurar esperança que será mais tarde exorcizada com a água benta da inatenção.

[9] A estes três monstros de ignorância e capitães de indústria poder-se-ia acrescentar os fundadores dos zaibatsu japoneses e de muitos e dos mais famosos industrialistas britânicos como James Watt (1736—1819), John Cadbury (1801—1889), Moses Ironmonger (1809—1887) & Joseph Rowntree (1836—1925) que nunca puseram os pés, como alunos, em nenhuma universidade— mas não dos grandes líderes industriais de oitocentos em Portugal, que eram todos bacharéis pela ilustre Universidade de Coimbra, e tornaram famosa em todo o mundo a marca ‘Made in Portugal’.

[10] Urgente: aquilo que poderia ter sido tratado há muito tempo; como assuntos corriqueiros e de rotina ganham peso e importância à medida que o tempo passa sem serem resolvidos, tal como a cortiça ganha peso quanto mais tempo fica à chuva, uma técnica de comprovada eficácia na ascensão organizacional e no sucesso político e governativo no nosso país é a acumulação de assuntos urgentes através da conscienciosa negligência do seu despacho e o atempado protelamento da sua resolução.

[11] Plano: esquema elaborado para não resolver problemas; método mais apropriado para a obtenção de um resultado acidental; sistema para tornar complexo o que é simples; instrumento de ordenamento económico eficaz em assegurar que as populações ficam com fome, sem roupa, sem abrigo e sem tratamento médico ao maior custo e com o maior desperdício possível.

[12] Warxista: o que faz guerra ao que é bom, belo e verdadeiro na Humanidade; pessoa que vê a realidade natural e social ao contrário, de pernas para o ar, tal como um ‘M’ a fazer o pino. Os warxistas clássicos são militantes do pcp; os neo-warxistas estão filiados no ps/d e be.