Os últimos três meses foram um teste que pôs à prova as capacidades inesgotáveis da Europa. Esta crise, que veio sem aviso prévio – ou se era previsível do ponto de vista da história das pandemias, não foi levada a sério nem por governos nem por instituições de saúde nacionais e transnacionais –, é agora um pesadelo de problemas económicos e sociais gigantescos.

A pandemia de SARS-CoV-2 obrigou os Estados a encontrarem respostas imediatas para estancar a destruição fulminante de empregos, forçou a intervenção dos Estados para proteger rendimentos, obrigou, imagine-se, à interrupção da liberdade de circulação de pessoas. Assistimos ainda a uma fotografia cruel de paragem forçada das sociedades, com ruas vazias e cidades inteiras e países confinados, o petróleo chegou a ser cotado a valores negativos, os Estados entraram numa competição doentia para assegurarem a compra de equipamentos de saúde como máscaras, batas, zaragatoas, reagentes e ventiladores, junto do principal mercado internacional onde há de tudo, a China.

A máscara passou a ser um objecto essencial de proteçção individual. Do ponto de vista das relações humanas, o beijo e o abraço passaram a estar proibidos em nome de um bem maior: a segurança colectiva. O distanciamento social tornou-se numa norma de convivência em contexto grupal e de rua. E, na generalidade, os povos que estiveram 45 dias, ou mais, em confinamento mostraram uma exemplar compreensão com uma decisão inédita nas suas vidas. Foram muitos dias a superar medos e angústias.

A Comissão Europeia respondeu com 750 mil milhões de euros, através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, com 560 mil milhões de euros focados em “três pilares”, que vão desde o apoio aos Estados-membros com investimentos e reformas, para relançar a economia da UE através de incentivos aos investimentos privados, e em programas que tenham em conta “as lições da crise”; 55 mil milhões de euros na Iniciativa REACT-EU; 40 mil milhões de euros para o Fundo para uma Transição Justa; e 15 mil milhões de euros para o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural. E muito mais…

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Uma chuva de milhões, que começou com o anúncio do BCE de avançar com 750 mil milhões de euros para conter danos na economia, e ultrapassou as expectativas da iniciativa franco-alemã, quando Presidente Macron e a chanceler Merkel anunciaram que era a hora de passar todas as barreiras mentais para salvar a União num tempo em que não há lugar para hesitações ou medos. Até à realização deste encontro que culminou num acerto histórico como não víamos há algum tempo, a palavra eurobonds deixou de ser uma palavra maldita, pelo menos para a Alemanha. Hoje, já não restam dúvidas: há um plano Marshall de recuperação que assenta em subsídios financiados pela emissão comum de dívida para auxiliar os países, particularmente os Estados mais atingidos pela pandemia de covid-19.

A solidariedade entre todos é o sentimento mais poderoso para proteger não apenas o projecto de integração, mas também para ajudar a vencer uma crise que obrigou a Europa a redesenhar o modelo de bem-estar económico mais importante desde a Segunda Guerra Mundial.

A crise que hoje vivemos e que tem agora como epicentro sanitário as Américas do Norte, com os Estados Unidos e o Canadá, e do Sul, com o Brasil, o Chile e o México, impõe que os líderes europeus vençam o individualismo cultural de alguns Estados que, zelosos da sua robustez financeira, se esquecem que o enfraquecimento da solidariedade europeia poderia minar irreversivelmente o mais sólido e duradouro projecto de paz e de realização económica no Velho Continente. Existem ainda algumas etapas a superar, como convencer o Conselho Europeu onde a unanimidade é exigida, a refrear as hostilidades do clube dos Estados reticentes e exortá-los a obter a aprovação deste pacote de ajudas pelos respectivos parlamentos nacionais.

Portugal, que poderá receber 26,3 mil milhões de euros deve, como contrapartida, mostrar que não se vai perder com tantos fundos colocados à sua disposição, que não pode desbaratar dinheiro que é pertença de todos os europeus. Não poderemos cometer falhas nos apoios às empresas, sobretudo às pequenas e médias, na reindustrialização do País, no renascimento do turismo, na adaptação à era digital e na aposta da economia verde.

A União Europeia precisa que os seus líderes, curiosamente três mulheres, Angela Merkel, Ursula von der Leyen e Christine Lagarde, continuem a unir esforços para que as futuras gerações europeias se lembrem que, nos idos anos da pandemia de 2020, os seus actores políticos estiveram à altura dos acontecimentos.

Ninguém perdoaria que a União morresse às mãos de um vírus que derrubou milhares de vidas e pôs Estados de costas voltadas. É sempre mais fácil destruir do que criar, mas é preciso, apesar de todas as vicissitudes, ter uma Europa que não esquece a sua herança.

Nada está assegurado ainda, mas os primeiros sinais de fumo mostram, para já, que “Habemus Europa”.