Todos os portugueses são treinadores de bancada em relação à TAP. É algo que é mais forte do que nós, e que está ao nível de sermos naturalmente saudosistas e de gostarmos de bacalhau e de pastéis de nata. Todos achamos que conhecemos a fundo o que está mal na companhia (e a sua solução, que é sempre óbvia), e nunca nos coibimos de nos insurgir nas redes sociais contra algum atraso na partida ou chegada, problemas com a bagagem ou com a qualidade da comida a bordo, etc. Esquecemo-nos que muitos dos problemas que acontecem numa viagem até nem são responsabilidade da TAP e que as nossas ideias milagrosas para assegurar o sucesso da empresa não são, regra geral, realistas. Mas é o que acontece quando sentimos que uma empresa é “nossa”, como a TAP em certa medida até é (pelo menos em 50% do capital). A companhia é de “Bandeira”, da nossa, e isso liga-nos umbilicalmente a ela, não apenas pelo impacto que tem na Economia nacional mas também pelo lado afetivo de ser uma das nossas marcas de toda a vida.

A TAP está a sentir as consequências desta crise “viral” de uma forma particularmente forte, à semelhança do que acontece com outras empresas do setor turístico. O maldito Covid-19 “aterrou” os seus aviões, obliterou as receitas da empresa nestes últimos meses e pintou um cenário negro nas receitas futuras. Ainda que com apoio estatal na forma do layoff simplificado, a TAP está a ter custos de milhões de euros por mês (até porque está a pagar compensações adicionais a alguns dos seus trabalhadores para além do teto apoiado pela Segurança Social…). Se as coisas já estavam difíceis para a empresa, a pandemia veio piorá-las em muito, e é urgente que a TAP volte a voar para que consiga regressar a uma certa normalidade.

A existência de uma companhia aérea de bandeira, com centro de decisão o mais nacional possível (ainda que com sócios estrangeiros), é essencial para um país com DNA turístico como Portugal. Pode-se argumentar que se a TAP deixar de existir o mercado (leia-se as outras companhias aéreas) se encarregará de suprir o vazio deixado e o país não perderia ligações aéreas. Afinal, se o negócio for bom, e as linhas rentáveis, não faltarão empresas que queiram quinhoar os seus potenciais lucros. Mas não é bem assim… o desaparecimento da TAP (que seria absurdo para mim) faria com que, enquanto país (e na posição geográfica que estamos, na cauda da Europa e com as nossas ilhas), perdêssemos autonomia num elemento crucial da cadeia de valor do Turismo e víssemos limitada a nossa capacidade de dinamizar mercados estratégicos, turísticos ou da diáspora. Isso teria um efeito multiplicador no turismo, e na economia em geral, que em muito extravasa a dimensão estanque da TAP.

Neste momento é altura de repensar a companhia, o seu governance, as rotas que opera (número e frequência) e a dimensão da frota e do seu quadro de pessoal (um emagrecimento é mais que certo), de olhar criteriosamente para os acordos de empresa e avaliar se são viáveis financeiramente na nova realidade do mundo ou se (creio que inevitavelmente) este é o momento para os alterar, a bem de todos os trabalhadores (e não só daqueles que têm maior capacidade de pressão/lobby) e do país e de todos os setores de atividade que estão dependentes em boa medida da saúde da TAP. Algumas decisões serão difíceis e irão mexer com interesses instalados, pelo que há o risco de aí virem novas greves e outras formas de pressão que prejudicariam ainda mais a empresa e a ação dos “ventiladores” de que tanto precisa. Todos, trabalhadores e país, perderíamos se tal acontecesse, pelo que apelo ao dever cívico dos “powers that be” para que, podendo ser parte da solução ou do problema, escolham a primeira opção.

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Na “nossa” companhia aérea, como noutras empresas, um dos principais objetivos (económico e social) deve ser o de preservar o maior número de postos de trabalho possível, evitando assim o degradar da estrutura humana da companhia, que é um dos seus grandes ativos. Não há dúvida que a TAP tem excelentes profissionais, na formação dos quais foram investidos significantes recursos ao longo dos anos, e perdê-los seria mais uma tragédia a somar a outras. Todos queremos pilotos, comissários de bordo, mecânicos, etc, felizes e seguros com o seu trabalho, porque disso depende em larga medida o trabalho de muitos de nós, este vosso servo incluído.

Parece-me incontornável que o Estado intervenha para salvar a companhia, minimizando assim o impacto negativo desta crise na mesma. Essa intervenção pode (e deve) vir com condições associadas, que colocarão maior poder (e eventualmente maior percentagem de capital) do lado do sócio Estado. O Governo escolheu João Nuno Mendes para coordenador do grupo de trabalho de intervenção na empresa. É uma escolha acertada, de alguém com experiência pública e privada, com um distanciamento q.b. do poder para não ter a etiqueta de “boy”, e com um capital de seriedade, competência e isenção são vitais para o sucesso da empreitada. Acredito que ele terá as “costas” relativamente quentes para poder empreender as mudanças necessárias para a viabilização da empresa, doa a que doer (e vai seguramente doer a muita gente).

A esperança que tenho, e que o mercado e os stakeholders da TAP também provavelmente partilharão, é de que esta intervenção estatal pela mão de João Nuno Mendes seja pontual e não se prolongue por mais tempo do que o estritamente necessário. Seria um erro voltar aos modelos do passado em que a administração da TAP estava nas mãos (tantas vezes pouco esclarecidas) do Estado e dos seus “muchachos”, qualquer que fosse a sua cor política. Uma empresa como a TAP (nenhuma empresa aliás) não pode ser gerida com critérios de decisão eleitoralistas e demasiadamente politizados, antes deve ser comandada com uma visão de mercado, de longo prazo (mais do que os 4 anos das legislaturas) e com critérios racionais ao nível económico e social. A tentação de “estatizar” a TAP vai ser grande, e seguramente o ministro do pelouro irá receber chamadas de interessados em para lá irem “mandar”. Esperemos que os vários fantasmas dos gestores públicos passados, nas palavras emprestadas a Dickens, sejam memória suficiente para que a tentação não passe apenas disso.

Por último, uma nota de tento na língua… Neste momento, é importante que as mensagens passadas para fora (e para dentro da empresa) sejam responsáveis, evitando populismos fáceis como o de vir para a praça pública insinuar (em jeito de pressão negocial) que a empresa pode ser declarada insolvente, e outras afirmações do género. Há muitos milhares de trabalhadores (e vários outros públicos que também precisam de uma TAP saudável) que estão a viver momentos de ansiedade, e os governantes devem ter respeito pela incerteza em que vivem e não a alimentar ainda mais. Governar é também saber fazer isso, como disse um dia um monarca nuestro hermano, “por qué no te callas?”. #ataptemdevoltaravoar