A geometria variável que tem vindo a caracterizar a governação do país conduziu a que no âmbito das negociações do Governo com o PAN, sobre o Orçamento do Estado para 2021, tenham sido enxertadas medidas avulsas e arbitrárias na área ambiental, tais como a restrição aos incentivos fiscais aos veículos híbridos em sede de ISV e de tributações autónomas em IRC e a nova “taxa de carbono” sobre as viagens aéreas e marítimas. Coincidência ou não, ambas as propostas foram aprovadas, para além do PS e do PAN, com os votos a favor do BE apenas.

Se a primeira contradiz uma política de transição progressiva para a mobilidade eléctrica, que deve acompanhar a par-e-passo a evolução tecnológica, a última surge num momento de (muito) questionável oportunidade. Aplicável a partir de 1 de Julho próximo, incidirá sobre todos os voos internacionais e domésticos, excepto os voos realizados com origem e destino nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Lapso ou propositadamente, parece até aplicar-se aos passageiros em trânsito no Continente, em voos de ligação…

E faz lembrar um “remake” das falhadas “taxa de chegada por via aérea” e “taxa de chegada por via marítima”, criadas em 2015 pela Câmara Municipal de Lisboa, justificadas na altura no Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas pelo facto de a cidade ser um “sucesso de destino turístico, acarretando a presença temporária de uma população na Cidade” que “coloca um acréscimo de pressão no espaço urbano, nas infraestruturas e equipamentos públicos, na sinalética e organização, sob pena da excessiva ocupação/lotação e precoce degradação colocar em causa a sustentabilidade do crescimento do destino turístico”. A ANA assumiu o pagamento da “taxa de chegada por via aérea” em 2015, tendo-se recusado a pagar em 2016, perante a indisponibilidade das companhias aéreas em comparticipar. Não obstante não terem sido cobradas deste então, estas taxas constaram do Regulamento Municipal até 2018 (!), momento em que a Comissão Europeia exigiu a não discriminação entre residentes e não residentes em território nacional, o que ditou a sua morte já anunciada.

Para já não falar da questão controvertida de natureza legal de saber se a nova “taxa de carbono” é uma verdadeira taxa (como as taxas municipais de Lisboa, sem dúvida, eram) ou um imposto, pois o eventual aproveitamento da prestação administrativa que os passageiros dos aviões e cruzeiros usufruirão pelo seu pagamento (melhoria dos transportes colectivos?) é de natureza muito duvidosa.

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Volvidos 6 anos, as razões de natureza ambiental que justificariam a introdução dessas taxas mantêm-se – os aviões e navios, para além de terem forte impacto nos ecossistemas, contribuem largamente para a emissão de gases de efeito de estufa (GEE) – e a UE decidiu, em boa hora, participar desde o início da fase voluntária no regime de compensação e de redução das emissões de carbono para a aviação internacional (CORSIA), obrigando os operadores a monitorizar as emissões de GEE em todas as rotas internacionais e a compensar as emissões através da compra de licenças de emissão, e também é verdade que a indústria da aviação tem beneficiado de um regime fiscal favorável com isenções em sede de IVA e ISP, mas é inegável que o contexto financeiro, económico e social do país se alterou de forma drástica…

Parece, mais uma vez, que a lição dos “gilet jaunes” em França não foi compreendida por cá e se negligencia o factor decisivo para o sucesso das medidas fiscais na área ambiental: a aceitação social e a percepção clara dos objectivos propostos.

Num momento em que, de acordo com dados do INE de 2020, as dormidas de cidadãos estrangeiros diminuíram cerca de 75% (valor mais baixo desde há 36 anos), e que os proveitos do sector hoteleiro quebraram cerca de 2/3 face a 2019, esta taxa surge, extemporaneamente, fruto de uma “negociação” casuística que tem contaminado a política ambiental deste Governo: “capturado” por uma agenda sectária e unifocal, tem pautado as políticas públicas na área ambiental por pouca sistematização e racionalidade, reduzida avaliação do impacto ambiental e económico e parco ímpeto reformista.

Acresce que toda a receita resultante da aplicação desta “taxa de carbono” sobre as viagens aéreas constitui receita do Fundo Ambiental, sendo a taxa de carbono sobre viagens marítimas canalizada em 50% também para este Fundo e o remanescente dividido entre a autoridade portuária e o município onde esteja localizado o terminal portuário. Ora, sabe-se que o Fundo Ambiental tem sido utilizado como “panaceia” para todos fins, sendo utilizado para os objectivos mais díspares (e discutíveis!) como a reversão da reestruturação do sector das águas encetada pelo Governo PSD/CDS ou o prolongamento do regime especial de remuneração aplicável à electricidade produzida através da incineração de resíduos urbanos.

Ironia do destino, esta nova “taxa de carbono” foi criada através de Portaria publicada no dia de Carnaval. Refere o seu preâmbulo que se visa a “implementação de uma estratégia consistente tendo em vista a redução das emissões poluentes e com o objectivo de se transitar para uma economia mais sustentável”.

A “máscara” da descarbonização — com que se disfarçou esta taxa — sobrevirá ao entrudo ou é apenas uma “brincadeira de Carnaval” como foram as taxas municipais de Lisboa?