Por muito que se reconheçam e louvem, em abstracto, os benefícios da livre concorrência, quando a discussão se foca num determinado sector de actividade surgem imediatamente como cogumelos inúmeros argumentos a defender medidas proteccionistas e limitadoras dessa mesma concorrência. De facto, embora a maioria dos agentes económicos reconheça (correctamente) os enormes benefícios da concorrência em geral para o bem-estar das pessoas, quando se trata de discutir o seu próprio sector esses mesmos agentes imediatamente chamam a atenção para características específicas que supostamente tornam desejável limitar a concorrência nessa actividade.

Nos anos 1990, o brilhante economista Pedro Arroja – que na altura era também um dos mais activos e influentes defensores do liberalismo em Portugal – resumiu magistralmente esta ideia num enunciado que ele próprio baptizou de Primeira Lei Arroja da Concorrência: “A concorrência é boa e desejável em todos os sectores de actividade, excepto no nosso”. O enunciado é particularmente feliz porque sintetiza de forma elegante esta aparentemente paradoxal dicotomia.

Normalmente, as duas posições – defender a concorrência em geral e restrições no nosso sector de actividade – expressam-se em contextos distintos e também com intensidades diferentes. Na  maioria das circunstâncias, pedir a restrição da concorrência num determinado sector serve interesses particulares concentrados e por isso tende a ser feito de forma bastante vocal e profissional. Já a defesa da concorrência em geral, apesar de servir genuinamente o bem comum, constitui um interesse disperso e difuso por toda a sociedade, pelo que tende a ter menos voz no debate público.

A ANTRAL conseguiu no entanto a proeza de ilustrar a Primeira Lei Arroja da Concorrência numa única petição, onde exige simultaneamente a interdição da Uber e a liberalização do serviço de transporte de doentes:

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“O que justifica, no entender dos profissionais e peticionantes, a imediata recomendação ao Governo para actuar:

a) no sentido de fazer cumprir a lei e determinar o impedimento da instalação e funcionamento da empresa Uber em Portugal e como reforço, se necessário for, da promoção de enquadramento legislativo clarificador;

b) Em simultâneo, promover a reabertura do processo de enquadramento do transporte de doentes não urgentes e de simples utentes, do serviço nacional de saúde, de forma a clarificar que o serviço em causa não pode ser apropriado por qualquer corporação ou profissão mas, ser efectuado no âmbito da actividade comum de transporte de pessoas, de forma a ir ao encontro do desejo dos utentes e contribuir para reduzir a factura deste serviço, quando requerido através do serviço nacional de saúde.”

No seu excelente artigo “Taxistas uber alles”, Paulo Ferreira analisa bem o que está em causa. Apesar de concordar com a análise, não partilho no entanto o optimismo do artigo. Creio que basta olhar para a dificuldade de implementação de reformas promotoras da concorrência em Portugal nos últimos anos – mesmo sob a supervisão e pressão externa – e para o continuado sucesso de muitos interesses rentistas instalados para moderar o optismismo. Desde os transportes à cultura, sem esquecer sectores como a educação, a ciência, a saúde ou a cultura, a Primeira Lei Arroja da Concorrência continua, infelizmente, mais actual do que nunca em Portugal.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa