Durante as últimas duas décadas tenho trabalhado em empresas de TI (Tecnologias de Informação) e, mais recentemente, na indústria das apps. A minha formação académica é de economia, mas o meu percurso de carreira tem sido guiado pelas oportunidades que vão surgindo no mundo empresarial. Na verdade, já não exercia a minha formação académica há algum tempo, até me deparar com a tecnologia blockchain em 2017, onde a associei ao impacto económico e aos potenciais efeitos de crescimento na nossa sociedade, quando fui uma das coautoras do white paperAppCoins“.

Há exatamente quatro anos, no verão de 2017, iniciei um projeto com alguns membros da equipa da Aptoide, usando um protocolo aberto em tecnologia blockchain, com o objectivo de resolver alguns problemas de negócio que as lojas de aplicações têm vindo a enfrentar.

Blockchain, de uma forma simples, é nada mais que um livro de registos na internet distribuído entre blocos (registador) de transações, formando assim uma cadeia (chain). A ideia surgiu em 2008 com o protocolo bitcoin e com o objetivo de descentralizar a moeda dos bancos centrais. Com as moedas digitais e a tecnologia blockchain, o utilizador mantém a sua própria cópia da transacção em forma de algoritmo, assim como também é mantida uma cópia no livro online de registos. Recapitulando, a tecnologia blockchain é um movimento contra a centralização e, embora toda a atenção ainda esteja muito centrada nas criptomoedas, a sua tecnologia é que gera o seu fortalecimento.

Assim sendo, em 2017, durante a redacção do white paper, concentrei-me nas oportunidades de negócio que esta tecnologia poderia desencadear às empresas. A tecnologia blockchain oferece uma lista de características que podem ter impacto nos resultados comerciais e na cadeia de valor de qualquer empresa, como, por exemplo:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

  • Transparência nas transações – estas estão visíveis na internet;
  • Transações wallet-to wallet ou peer-to-peer, evitando todos os intermediários;
  • A oferta de pagamentos em tempo real (ou quase) aos fornecedores. Normalmente, os fornecedores têm de esperar 30 a 60 dias para serem reembolsados por sistemas de faturação centralizados;
  • Fluxos de receitas mais elevados e a possibilidade de partilha de receitas entre todos os players de negócio;
  • Incentivos aos utilizadores – uma adoção mais alargada e orgânica de utilizadores e um nascer de comunidade.

São estas as principais razões que levam muitas empresas a explorar esta tecnologia. O objetivo primário de qualquer empresa é vender mais o seu produto e/ou serviço, assim, apostando na tecnologia blockchain, a empresa consegue alcançar o objetivo, pois transmite ao seu utilizador mais transparência, rapidez e eficácia nas transações.

Para além das empresas, que relação mais direta poderá o blockchain ter com as pessoas?

Através de pagamentos transfronteiriços (cross-border) – hoje em dia há mais de dois mil milhões de pessoas no mundo sem acesso a uma conta bancária. Esta tecnologia pode impactar a vida destas pessoas, dando acesso a pagamentos ou transferências sem necessidade de um banco ou intermediário de pagamentos. Isto é relevante, sobretudo na população dos países em desenvolvimento que têm acesso a um telefone (não necessariamente um  smartphone) ou a um computador. Esta integração pode ser mais fácil do que acrescentar cartões de crédito (necessidade de serviços bancários) ou utilizar serviços de transferência bancária com taxas elevadas.

Outro exemplo são as fundações ou organizações sem fins lucrativos que adotaram a blockchain para a utilização de donativos. Especialmente para as que fazem trabalho nos países em desenvolvimento, isto é extremamente importante, considerando que muitas fundações não são de confiança devido à corrupção e governos manipuladores. O nível de confiança e o rastreio que esta tecnologia oferece leva a um aumento de doações e do apoio que estas necessitam.

Os pagamentos transfronteiriços são abrangidos pelos serviços financeiros, mas como é que os governos podem beneficiar desta tecnologia? Os governos podem (e alguns já estão a executar projetos-piloto) utilizar a tecnologia blockchain para acompanhar o pagamento de benefícios para os mais desfavorecidos e assistência social, reduzindo assim os casos de fraude. O apoio à transformação digital também é extremamente importante, porque assim os governos podem utilizar registos digitais, evitando o papel e desvio de documentos. O mesmo acontece com os  registos oficiais do país (civil, de propriedade, etc.) – estes poderiam ser registados e assegurados em blockchain, assegurando assim a autenticidade de todos documentos.

A área da saúde é outro sector a poder beneficiar do blockchain. Os registos dos doentes podem estar disponíveis com consentimento, sem a ameaça de serem pirateados ou divulgados. Ter a possibilidade de correspondência de dados que poderiam ajudar na investigação, seria ainda um avanço para os cuidados médicos.

Na indústria da energia, que também é frequentemente vulnerável à fraude devido a muitos intermediários de negócio, o blockchain permite às pessoas partilhar, comprar e vender energia através de contratos inteligentes (smart contracts), formando uma espécie de comunidade inteligente onde há uma redução do desperdício de energia, controlo sobre o poder e, mais importante ainda, apoiando a sustentabilidade.

Estes são apenas alguns exemplos em que as aplicações de blockchain podem ser úteis, afetando direta e indiretamente a vida das pessoas. Quando mergulhamos mais a fundo em todos estes possíveis casos de utilização, podemos imaginar comunidades mais inteligentes ou cidades inteligentes (smart cities). Alguns dos desafios para as smart cities são a grande quantidade de transferência de dados e a garantia de segurança dos mesmos. A tecnologia blockchain não só assegura esses dois pontos, mas também a possibilidade de dar poder àqueles que não têm oportunidade de ter acesso às necessidades básicas.

Carolina Marçalo trabalha atualmente em tecnologias disruptivas, aplicando-as ao mundo dos negócios e modelos empresariais. Carolina trabalhou na SIBS durante cinco anos, em corporate finance e desenvolvimento de novos produtos, definindo a estratégia do sistema de pagamentos português. Durante seis anos ajudou a construir a base de utilizadores da loja de aplicações Android, Aptoide, desde uma plataforma de 25 milhões de utilizadores activos até mais de 250 milhões de utilizadores activos, fechando grandes parcerias com fabricantes de Android, como a Xiaomi. Introduzida na tecnologia blockchain em 2017, como coautora do white paper do Protocolo AppCoins, um protocolo blockchain para transações de App Store baseado no Ethereum, é hoje especialista no que a tecnologia pode trazer para o crescimento económico. Actualmente trabalha na Xerox como líder especialista em apps para o mercado ibérico, com o objectivo de impulsionar a implementação da estratégia de aplicações e soluções de software da empresa. Carolina também aconselha múltiplas startups, sendo um deles a Ydata, e (x)Black, uma plataforma para fortalecer a comunidade afro-americana.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.