Confesso, em meia voz e ruborizada: tinha algumas expetativas positivas para a geringonça. É aquela velha história de um relógio parado acertar nas horas de quando em quando. No meu caso, ficavam-se por uma certa esperança que a retórica flower power, peace & love, ‘manuais escolares e uma cabana’ pelo menos aliviasse um pouco a visão espartana e pouco imaginativa que a direita tende a ter para os assuntos educativos.

Claro que esperava tontices providenciadas pela geringonça – e elas vieram, como as absurdas recomendações para falar de aborto a miúdos de dez anos, ou tirar tempo de aulas a português e matemática para reintroduzir lirismos pouco úteis do calibre da formação cívica ou área de projeto (correram mal? Toca a repetir). Ou a criminosa perseguição a escolas boas, e que faziam serviço público barato, porque a geringonça teve de saciar a ala traumatizada com a religião católica.

Alguns passos foram, ou estão a ser, positivos. A redução dos gigantes programas é um deles. Mas – informo a minha desilusão e penitencio-me publicamente por ter havido, em tempos, ilusão – talvez por contágio do conservadorismo circunspeto dos bigodes de Plekszy-Gladz, perdão, de Mário Nogueira, aqui e ali até se piorou.

Por exemplo, nos exames de aferição do segundo ano. Exames para crianças de nove e dez anos, no quarto ano, eram tortura medieval que a gente ruim de direita infligia às criancinhas (e de facto). Já exames para crianças de sete ou oito anos está perfeitamente bem. Como não contam para a nota, o que lhes pesa a responsabilidade de os professores serem avaliados através deles? Ninharias.

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Ou a formalidade de apresentarem o cartão de cidadão (quiçá desconfiavam que um aluno do oitavo ano fizesse o exame pelo irmão mais novo e passasse despercebido), assinarem uma declaração garantindo que não têm telemóvel (só faltou o reconhecimento em notário) ou estarem impedidos de rasurar cabeçalhos, porque os enunciados vêm contados e é uma catástrofe uma criança riscar uma letra. Calhando, os exames pretendem somente ser uma introdução infantil ao Estado burocrático; se sim, são um sucesso ribombante. Em todo o caso, lá em casa, agradeço à geringonça um catraio de sete anos num stress absurdo nas semanas antes dos exames intermédios.

Também embirro com os horários de início das aulas. Os adolescentes precisam de dormir e têm um ciclo de sono que os leva a adormecer tarde. Como não podem acordar tarde – têm aulas – dormem menos do que deviam. Os meus filhos ainda não chegaram lá, mas eu sofri disto toda a vida escolar.

Não, não é uma questão de preguiçosos dorminhocos. Em 2014, a American Academy of Pediatrics publicou um documento detalhando os problemas de privação de sono que os adolescentes americanos viviam, bem como os resultados de várias experiências de escolas que mudaram para mais tarde a hora de entrada matinal: melhoria de notas, menos faltas, menos depressões, menos queixas médicas de cansaço, até maior propensão para tomar o pequeno almoço antes das aulas. Em consequência, aconselhou que as aulas nunca começassem antes das 8h30, o que a American Medical Association já reiterou.

8h30 nos Estados Unidos, país de formiguinhas híper cafeinadas que começam a trabalhar às seis e meia da manhã alegremente. Por cá corresponderia a umas 9h30. Sei que alguns pais precisam de deixar os filhos na escola cedo, e que devem ter possibilidade de o fazer. Mas gostava de ver estas alterações testadas e avaliadas por cá.

Por fim, pergunto: onde anda a famosa e infame CIG quando se precisa dela? A CIG deve ter um papel importante em defesa das carreiras nas mulheres no mercado de trabalho, em nome da igualdade de direitos e de oportunidades. Mas, pelos mesmos valores, durante os anos escolares devia preocupar-se mais com os alunos do que com as alunas.

Alexandre Homem Cristo já escreveu sobre o maior insucesso escolar dos rapazes. Mais abandono escolar e chumbos, piores notas, menos rapazes a acederem à universidade. Uma das razões é a orientação atual do ensino para a forma das raparigas aprenderem – desde logo porque é fácil e porque existem mais mulheres docentes que homens, sobretudo nos anos iniciais, e sem surpresa as mulheres estão mais familiarizadas e recompensam mais a forma de atuar das estudantes do mesmo sexo. (No fundo, é o mesmo, com os sexos em simétrico, que se passa com os adultos nas empresas.)

Como mãe de dois rapazes, torço o nariz a esta realidade. Os rapazes têm necessidade maior de se mexerem e de gastarem energia, pelo que com dificuldade acrescida ficam sentados nas cadeiras, concentrados, durante aulas longas – mas ainda se lhes aumentam uns minutos.

Michael Reichert e Richard Hawley, em Teaching Boys, A Global Study of Effective Practices, compilaram um número massivo de experiências bem-sucedidas de ensinar rapazes, em vários países, e concluíram que as tarefas devem incluir algum tipo de atividade física (passear pela sala de aula enquanto se lê um texto em voz alta, por exemplo), trabalho de equipa com uma ponta de competitividade, role play empático, investigação aberta para resolução de problemas, tarefas que levem, no fim, à concretização de algo palpável – entre outras estratégias.

Por isso, caro Tiago Brandão Rodrigues, vamos lá desinquietar os professores para mudar horários e métodos de ensino. É aproveitar agora que os sindicatos estão amestrados e o PCP manda grevistas da função pública ganharem juízo e negociarem.