À medida que o digital se torna no principal meio através do qual as organizações desenvolvem negócios, a TI (Tecnologia de Informação) ganha um palco cada vez maior e torna-se cada vez mais num factor de vantagem competitiva de uma empresa. Flexibilidade estratégica e combinação de recursos, conhecimento, skills e capacidades são hoje cruciais para que as empresas consigam competir no mundo VUCA (Volatile, Uncertain, Complex and Ambiguous) em que operam. É necessário que sejam ágeis.

Muitas organizações definem os seus processos de desenvolvimento de software exclusivamente através de metodologias ágeis ou híbridas – uma combinação de práticas tradicionais e práticas ágeis. No entanto, “ser ágil” não depende apenas de metodologias ou de práticas adoptadas, mas de um conjunto de factores que envolvem a capitalização de oportunidades, a capacidade de tomar decisões rapidamente e o envolvimento activo das partes interessadas.

Agora imagine que é um chef. Não um chef qualquer; um excelente e dedicado chef. Acabou de ser contratado para um restaurante promissor. No seu primeiro dia, ao entrar na cozinha, depara-se com loiça por lavar, panelas cheias de comida ressequida, lixo por despejar, bancadas de trabalho cheias de caixotes e, pelo canto do olho, consegue vislumbrar uma barata. “Temos de limpar isto urgentemente!”. No entanto, o dono do restaurante entra na cozinha atrás de si e informa-o que os clientes estão a chegar e tem de começar a preparar as entradas imediatamente.

Como se sentiria neste primeiro dia de trabalho? Frustrado? Com vontade de fugir? Provavelmente cada tarefa que desempenhasse iria parecer-lhe um sacrifício tenebroso e demoraria muito mais tempo a preparar qualquer refeição, porque teria de afastar loiça do caminho, lavar utensílios e panelas – e, quiçá, livrar-se da barata! Se há coisa que aprendemos com o Hell’s Kitchen é que, infelizmente para o cliente, o estado em que a cozinha se encontra não é visível, porém, quem sabe quantas cozinhas de quantos restaurantes poderão estar nesse estado? Aquilo que o cliente sabe é que pagou, provavelmente demasiado, por um prato que demorou uma eternidade a chegar e, em casos extremos, a refeição causou-lhe uma intoxicação alimentar.

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De que forma é que isto se relaciona com TI e com o que dizia inicialmente? Na verdade, esta analogia é muito conhecida e das mais utilizadas para explicar algo que acontece muito frequentemente no desenvolvimento de software – a dívida técnica; termo cunhado por Ward Cunningham, um dos 17 autores do manifesto agile e software developer.

A dívida técnica é representada pelo estado da cozinha e é o resultado de todas as acções que a equipa de desenvolvimento toma, no sentido de atalhar tempo de desenvolvimento para conseguir libertar funcionalidades em menos tempo para o mercado, em detrimento da qualidade do código (também pode ser a falta de investimento em infraestrutura, por exemplo, com servidores obsoletos). Os pedidos dos clientes são novas funcionalidades que é necessário desenvolver, e o chef e a equipa, como já se percebe, são os programadores. O dono do restaurante representa a gestão, pressionada pelos números e pela apresentação de resultados imediatos ao cliente.

Tal como um passivo financeiro, a dívida técnica pode ser contraída para gerar mais-valias, porém, há que ter noção clara dos juros a pagar, das maturidades da dívida, bem como do esforço do plano de pagamentos acordado. Caso contrário, se tudo isto não for gerido de forma consciente e equilibrada, o potencial da Tecnologia de Informação enquanto factor de vantagem competitiva vai definitivamente perder-se e quem vai pagar o preço vai ser toda a organização.

Cândida Jesus é consultora sénior na Deloitte Digital. Com mais de uma década de experiência profissional em TI, desempenhou funções como designer, web developer, scrum master e product owner. Como formadora, desenvolveu também atividades em Portugal e em Angola. Licenciou-se em Design Multimédia e em Arquitectura, ambas pela UBI. Tem um Executive Master em Gestão de Programas e Projetos pelo ISCTE – Executive Education e está neste momento a terminar o Mestrado em Administração de Empresas no ISCTE – Business School. Tem certificação PMP® pelo Project Management Institute (PMI®) e em SA, SAFe® 5 pelo Scaled Agile Inc.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.