Construir um Orçamento do Estado (OE) é um exercício de prioridades. O OE é o documento em que se tornam públicas e evidentes as prioridades e as não prioridades assumidas pelo Governo em funções, validadas pela maioria em exercício na Assembleia da República. O famoso dia 15 de outubro, data limite para entrega da proposta de OE na Assembleia da República, é o dia em que as escolhas previamente feitas são tornadas evidentes através da atribuição dos recursos financeiros para as concretizar ou deixar como promessa para o próximo ano.

2019 é ano de eleições legislativas. O Governo será inevitavelmente acusado de propor um orçamento eleitoralista. Mas, prosseguir a orientação política de 2016, 2017 e 2018, equilibrando os compromissos macroeconómicos em conformidade com as regras europeias, com a melhoria dos serviços públicos e o aumento do rendimento disponível dos portugueses, pode ser considerado eleitoralismo? A melhoria das condições de vida da população, com respeito pelos compromissos externos, não será o desígnio de qualquer governo decente em qualquer ano da sua vida?

A preparação do OE é tempo de escolhas entre o que se vai executar e o que não se vai fazer. Responsabilidade do Governo, sem dúvida, mas também dos partidos que suportam esta solução na Assembleia da República. Cara Catarina Martins, para honrar a memória de João Semedo, e caro Jerónimo de Sousa, será mesmo mais importante baixar o IVA da eletricidade do que reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS)? E também será mais urgente e importante satisfazer a clientela interna do Bloco de Esquerda, aumentando a massa salarial dos professores e atribuindo mais uma vitória de secretaria ao sindicalista do regime Mário Nogueira, do que reforçar o SNS? Este é o tempo para verificar se quem proclama a defesa do SNS, batendo com a mão no peito com tal força que se teme pela saúde desse peito, tem a coragem e a lucidez de ser coerente no processo de negociação e construção do OE de 2019.

Para além do indispensável reforço da dotação orçamental, é possível dar passos significativos no crescimento das suas disponibilidades orçamentais sem competir com outras áreas da governação. Reduzir a taxa de dedução em IRS das despesas de saúde de 15% para 5%; determinar que a ADSE volta a remunerar os hospitais públicos pelos cuidados prestados aos seus beneficiários, usando o saldo acumulado para financiar um programa de investimento nos hospitais do SNS; voltar a reduzir significativamente o preço de medicamentos e dispositivos médicos são três medidas com custo zero para os cofres do ministro Centeno e benefício líquido de cerca de 900 milhões de euros para as disponibilidades financeiras do SNS.

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Para que o reforço financeiro não seja “chuva em areia” há que elencar várias iniciativas reformadoras: reativar a reforma dos cuidados de saúde primários, revisitando o modelo criado em 2006 para, mantendo os mesmos princípios conforme resultados de todas as avaliações, promover um novo impulso; redinamizar a rede de cuidados continuados, completando a oferta ainda em falta e revendo lacunas e erros cometidos no início da reforma; apoiar o professor António Ferreira na afirmação dos Centros de Referência como lugares de excelência nos hospitais do SNS, com clareza e autoridade na regulamentação e prioridade nos investimentos e na formação dos recursos humanos; tirar os Centros de Responsabilidade Integrada das páginas do Diário da República; lançar um programa para atrair os melhores médicos para o SNS, com formação contínua e investigação clínica (na verdade, os centros de referência!), garantia de transparência e isenção nos processos de avaliação de desempenho e melhor retribuição através de benefícios fiscais em IRS (é urgente iniciar um caminho para tornar socialmente inaceitável a presente promiscuidade público-privado); investir na excelência de instalações, equipamentos, organização clínica; retomar a autonomia de gestão dos estabelecimentos de saúde, para cumprir a gestão descentralizada prevista na Constituição e, finalmente, valorizar e reforçar a centenária Direção Geral da Saúde, atribuindo-lhe competências adicionais no planeamento da oferta do SNS e também da oferta privada e na regulação de todo o sistema de saúde.

Este é tempo de escolhas. No momento em que, a acreditar nas notícias, o PSD se prepara para assumir que o seu sistema de saúde não é o SNS (finalmente, 39 anos depois conseguem ter a coragem de o assumir, terminando uma vida de amor fingido), há que saber, para além das declarações de defesa, quem apoia de verdade o SNS! A palavra ao Governo, ao Partido Socialista, ao Partido Comunista Português, ao Bloco de Esquerda e ao Partido Ecologista os Verdes.

Francisco Ramos é presidente do IPO Lisboa e ex-secretário de Estado da Saúde