Está à venda no site OLX uma licença de táxi para Lisboa. O preço pedido é de 105 mil euros mas o vendedor está disponível para negociar.

Este dono de táxi não estará esta sexta-feira, obviamente, no protesto contra a Uber. Seria o cúmulo da incoerência. É que o OLX é uma das várias “Ubers” de anúncios classificados que apareceram nas últimas décadas. Antes destes sites de compras e vendas entre particulares existirem, a forma de anunciar ao mundo que estávamos a vender alguma coisa era fazer uma publicação num jornal e pagar por isso. O fim dos classificados foi um dos vários pregos no caixão da imprensa diária. Que me tenha apercebido, não houve nenhum levantamento dos editores de jornais contra estes sites que não estão sujeitos à regulação da imprensa nem às exigências legais que recaem sobre a comunicação social. O mundo mudou e, como Darwin nos ensinou, os que não se adaptam morrem.

Também não deixa de nos fazer pensar a forma como funcionam alguns sectores. A operação de um táxi está sujeita a uma licença emitida pelas autoridades. As boas práticas dizem que essa autorização é um bem público e, como tal, seria mais indicado que ela retornasse para o Estado quando o beneficiário deixa de querer utilizá-la. Se alguém deve fazer-se pagar por ela devia ser o Estado. Mas não. Como são um bem escasso, os donos especulam com elas, como se vê. Este rendimento com a venda da licença dada pelo Estado entra nas contas dos operadores de táxi, que têm ali uma boa receita complementar para o seu negócio. E quem compra uma destas licenças faz as contas à recuperação desse investimento.

Ora, o aumento da concorrência, da Uber ou de outra empresa qualquer, faz diminuir as perspectivas futuras de negócio dos táxis e desvaloriza o valor do “trespasse” das licenças.

Nesta luta, os taxistas estão obviamente a tentar conservar o seu “queijo”. Contra tudo e contra todos. Contra a inovação, contra a conveniência dos utilizadores, contra a evolução tecnológica e as possibilidades que ela abre, contra a liberdade de escolha dos clientes, contra a concorrência. Repare-se que a reivindicação não é sujeitar a Uber à regulação. É, simplesmente, acabar com ela por decreto. Eles não querem que as eventuais dúvidas legais sobre a operação da Uber e dos seus associados sejam sanadas. Eles querem é que a empresa, o serviço, seja sanado. De uma vez por todas.

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Os taxistas têm, nesta sua batalha retrógada e imobilista, um enorme inimigo: eles próprios. Durante décadas não cuidaram da sua imagem, da forma como são avaliados pelos clientes nem da transparência e qualidade do seu serviço. Sempre foram permissivos com os que, entre eles, violam as regras e cometem crimes. Os “golpes” nas praças de aeroporto são o exemplo clássico. Têm também o azar de ser mal representados. A ANTRAL e o seu presidente têm mais explicações a dar do que exigências a fazer. Esta notícia do Expresso e esta reportagem da Visão dão conta de um perfil e indiciam práticas que são nada abonatórias para um representante profissional.

Mas agora é demasiado tarde. Se a legalidade os preocupa tanto talvez devessem começar por exigi-la na própria casa. Se o tivessem feito a tempo agora teriam outra legitimidade moral.

Este caso dos taxistas vs. Uber – que nem sequer é exclusivamente português – é, só por si, um tratado sobre formas distintas de ver o mundo, de estar na vida e de ganhá-la através dos negócios.

Está cá tudo: o pavor da concorrência, a tentativa de travar a inovação, o prémio dado às más práticas, a captura em proveito próprio de bens públicos, a utilização de associações profissionais para benefício individual, o desprezo pela satisfação e vontade do consumidor, a utilização da ameaça e da força quando acabam os argumentos. Nem sequer falta o clássico subsídio do Governo, pondo os contribuintes a pagar uma factura que não é deles. São 1.500 euros por taxista, como aqui notou Alexandre Homem Cristo.

Nós, os vivos, temos a sorte de assistir a tempos únicos, de desafio de regras do jogo que dávamos por definitivas, graças à inovação e à criatividade. Hoje já nos rimos das máquinas de escrever e do telefax, dos discos de vinil e dos telefones presos à parede por um fio. E já caricaturamos os autênticos “tijolos” que eram os primeiros telefones móveis. E os “pagers”? Estão mortos e enterrados.

Daqui por algum tempo vamos rir-nos também destes dias: “lembram-se de como os taxistas bloqueram as cidades contra aquela aplicação básica que servia para chamar um carro que só andava a gasóleo e que tinha que ser conduzido por uma pessoa? Como é que se chamava mesmo esse serviço?”

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com