Não sou dada a paixões por líderes políticos – tenho o bom senso de guardar as emoções fortes para as partes e as pessoas importantes da vida – pelo que, confesso, estou pacífica com a saída de Pedro Passos Coelho e, até, com a calamidade eleitoral do fim de semana. Talvez seja otimismo incorrigível meu, e prometo-vos que não é nenhuma deriva por filosofia ou espiritualidade oriental (ou se calhar é, posso estar a tornar-me budista sem reparar), mas vejo sempre as alturas de descalabro como caminhos para construir/reconstruir algo melhor.

Passos Coelho – para arrumarmos já o assunto – teve qualidades (incluindo a frieza) que lhe, e nos, permitiram sair com sucesso do período da troika. Mas ficou aprisionado naquele tempo político e as respostas que tinha já estavam descasadas do período de expansão que sempre se segue a uma crise. Um político bem-sucedido não tem apenas a mensagem ‘não se preocupem, estou aqui para quando vier a próxima falência made in PS’.

As autárquicas no PSD foram tão escrupulosamente planeadas como o mais desorganizado ataque das hordas vikings a Paris da alta idade média. O PSD ficou entregue a si próprio, com um presidente entretido com sabe-se lá. Em Lisboa – onde uma negociação com Assunção Cristas podia, com um entusiasmo de coligação, ter derrotado Fernando Medina – PPC escolheu perder para não dar palco a nenhum adversário – interno ou do CDS – que lhe roubasse, depois, o protagonismo. Foi desrespeito pelos lisboetas.

Pelo que a Passos Coelho restava sair. Poderá, depois do seu deserto, regressar à política, pensar na Presidência da República (seria uma espécie de reedição de Cavaco Silva, e quem à direita, olhando para Marcelo Rebelo de Sousa, não suspira de saudades de Cavaco Silva?), quando com mais distância e justiça se avaliar a prestação de Passos Coelho nos anos da troika. Pode também viver o seu difícil período pessoal, sem chacais (sem ofensa para os chacais) como Porfírio Silva (um felizmente obscuro deputado do PS) ou João Quadros que, sob o olhar benevolente de aquiescência de toda a esquerda, o atacaram com a doença da sua mulher.

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(O despejar de ódio de muitos socialistas nas redes sociais durante o discurso de despedida de Passos Coelho foi um brutal elogio. Bem sei que é gente carregada de ódio, mas este era o ódio que dirigimos aos que nos são melhores.)

Não sei o que virá aí do PSD. Por mim, prescindo de apoiantes do populista de esquerda Bernie Sanders, defensor do nacionalismo económico à moda de Trump. De resto, todos os que pretendam tornar o PSD outro partido socialista que oferece a única diferença de, ao contrário do PS, não se aliar à extrema esquerda e aos comunistas, correm tanto risco de virem a ter o meu voto como as serpentes do jardim zoológico de eu lhes fazer festas por entre os olhos. Personalidades como Manuela Ferreira Leite ou Pacheco Pereira – que nos últimos anos se tornaram ídolos da esquerda e orgulhosamente brandiram a defesa de todos os interesses instalados – vade retro. Um candidato Galp também se dispensa. Lunáticos que propõem alucinações como o rendimento básico incondicional – por favor corram-nos a casacos de alcatrão e penas. Santana Lopes é fartote de riso.

Faria bem ao PSD escolher personagens não cinzentas, novas, que conheçam mais o país que a bolha do partido. Gente que saiba fazer oposição de forma aguerrida e sinta prazer por, parafraseando Guterres (é a segunda vez hoje; estou a ficar preocupada com a minha saúde), ir à cara à esquerda. Que não lhes reconheça superioridade moral, nem se rebole quando a malta de esquerda lhe faz umas festinhas atrás das orelhas por bom comportamento. Que quando a geringonça condicionar a atuação da direita, acusando-a de aproveitamento político do que seja, devolva a acusação decuplicada nas redes sociais, nos outdoors, no parlamento. Que exponha em voz alta as hipocrisias esquerdistas e as negociatas a que se entrega. Sem frases redondas e com palavras contundentes. Que não tenha sonhos (melhor: pesadelos) de colocar o PSD como muleta do PS.

Churchill dizia que o Special Operations Executive fazia ’guerra imprópria para cavalheiros’ e mandou-os ‘pegar fogo à Europa’. Penso que estas expressões são ótima inspiração para o que precisamos de uma oposição à geringonça.

Mas a direita não se esgota no PSD. CDS e PSD competem pelos votos do centro direita em Lisboa e Porto e isso é muito saudável. O PSD fará muito mal se se voltar a convencer que o eleitorado ainda lhe permanece caninamente fiel.

O CDS tem uma líder ambiciosa (e digo isto como elogio, não como frase assassina que os homens costumam lançar para atacar as mulheres políticas), estruturada, pragmática (traduzo: pouca ideologia, o que por cá costuma cair bem). Pode escaqueirar tudo com namoros com o PS, mas se for inteligente será nas cidades uma força política em crescimento.

Por fim, temos a Iniciativa Liberal, com o apoio da ALDE. Juntaram há pouco tempo um número assinalável de pessoas no Mercado da Ribeira e poderão ser um reduto do número crescente dos eleitores (e eleitoras, se não se esquecerem de incluir mulheres nos seus eventos) que se saturarem da compulsão socialista dos partidos da direita. Estamos tão modernos que há até movimentações para um partido libertário.

Parecendo que não, é um bom momento para a direita. Gosto destas ocasiões em que está tudo em aberto e se podem concretizar bons projetos. Tudo se aprimorará mais se o PSD aprender a lição de ouro: na próxima crise económica (vem sempre, é a natureza saudável dos ciclos económicos) deixa o PS a definhar no governo resolvendo as trapalhadas, em vez de correr a governar outra vez nos tempos funestos. Um certo maquiavelismo também se recomenda.