À primeira vista, o título pode parecer desadequado. No entanto, o estudo dos objetivos e das estratégias tanto dos partidos populistas como dos movimentos terroristas talvez sirva para provar que existe uma ligação entre os dois fenómenos. Perigosa, sem margem para dúvidas.

Na minha conceção, o populismo não passa de uma forma de articulação do discurso visando a luta pela hegemonia interna. Uma luta só possível pela construção de uma fronteira antagónica entre o povo e a elite. É esse antagonismo que constitui o terreno fértil para fazer da casta o alvo a abater. As reivindicações «populares» – porque feitas em nome do povo –, ainda que atendidas, não se revelam suficientes. As mudanças ou adaptações operadas pela classe dirigente são recusadas ou seguidas de novas reclamações quase a raiar o impossível. Exige-se uma nova lógica – a equivalencial – e a legitimidade passa a ser flutuante.

E o que poderá ter a ver esta luta pela hegemonia interna com o terrorismo, um fenómeno que não respeita fronteiras, mesmo quando se proclama conhecedor da História e da Geografia? Muito, como se verá de seguida.

Assim, ambos recorrem a uma estratégia do lado obscuro. Funcionam como cavaleiros do apocalipse. A realidade existente é recriada de forma a esconder todos os aspetos positivos e a colocar o enfoque na superlativação do elemento negativo. Aquele que já se sabe que irá desencadear reações coletivas de ansiedade e de terror, a palavra de onde o vocábulo terrorismo deriva por sufixação.

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Os amanhãs que cantam substituídos por um hoje inquieto e amedrontado.

O terrorismo alimenta-se da quebra de confiança dos cidadãos nas instituições. A barbárie serve-se do mediatismo do sofrimento em direto para desacreditar o sistema vigente. Uma imagem vale mais do que mil palavras. Sobretudo se envolve crianças. A dor retratada na sua forma indefesa.

Ora, a repulsa quase coletiva não demora a fazer-se acompanhar da necessidade de encontrar culpados. O sistema é chamado à colação. Duplamente responsabilizado. Por não ter criado condições para prevenir o terrorismo. Por não saber lidar com o fenómeno de forma a desmantelar as iniciativas terroristas.

Neste ponto, os partidos populistas são exímios. Sabem erguer bandeiras até então propriedade de outros fenómenos, como o nacionalismo. A necessidade de proteger a comunidade – nós – contra a presença estranha – eles, os outros. O racismo e a xenofobia esquecem o politicamente correto e tomam conta do discurso populista.

Assim sendo, o terrorismo fornece o motivo para o recrudescimento do populismo. A elite é apresentada como incapaz de assegurar a segurança dos cidadãos e a manutenção dos valores próprios da homeland.

Não é por acaso que os principais partidos populistas defendem que a recuperação da soberania nacional passa, entre outras medidas, pelo controlo das fronteiras e da imigração.

Porém, existe outra abordagem que não deve ser olvidada. Aquela que explica o papel negativo do populismo no florescimento do terrorismo.

A falta de política também representa uma forma de política. Por isso, nos regimes democráticos, os populistas acusam a casta governante pela radicalização dos jovens que, vítimas de uma «política ao Deus dará», se deixam embalar pela narrativa terrorista apostada na destruição do modelo civilizacional ocidental.

O padre António Vieira dizia que, em tempo de guerra, nem Deus estava seguro no sacrário. O terrorismo que usa a religião como pretensa justificação encarrega-se de substituir o pão nosso de cada dia pela desconfiança e pelo medo.

Afinal, existe uma relação efetiva entre populismo e terrorismo. Mesmo quando o primeiro cresce por conseguir fazer passar a mensagem de que é preciso combater o segundo.

Como a vida mostra, a morte do hospedeiro está longe de servir os interesses do parasita.

Manchester é, apenas, o mais recente exemplo dessa ligação. Talvez seja tempo de refletir sobre o papel que o populismo e o terrorismo desempenharam no Brexit e no facto de o Reino Unido ser o segundo país da União Europeia que mais combatentes fornece ao Daesh.

Para que conste, o primeiro exportador de jihadistas para a Síria é a França. Um país onde o terrorismo tem ajudado – e muito – à afirmação de um populismo que tem direito a um rosto e a nome de família.