No sábado, à mesma hora a que os adeptos ingleses começavam a entrar no Estádio do Dragão, o Clube de Rugby do Técnico sagrava-se campeão nacional de râguebi no Jamor. Fê-lo num Estádio Nacional vazio, porque os eventos desportivos ainda não podem ter público. Com grande pena minha. É que, no espaço de um mês, foi a segunda vez que um clube do qual sou sócio quebrou um longo jejum de títulos sem que eu pudesse estar lá a ver. Se o Sporting não era campeão há 19 anos, o Técnico não o era há 23. (Sim, eu sei, as minhas obsessões desportivas são excêntricas, só torço por clubes que equipam às riscas horizontais e têm com as vitórias uma relação, digamos, desinteressada).

Fiquei triste. Gosto de sentir que o meu apoio tem uma influência, ainda que ínfima, nos triunfos da equipa. Em 1998, pude senti-lo. E da forma mais dolorosa: como jogador da equipa B, servi muitas vezes de saco de pancada para os futuros campeões ensaiarem estupendas placagens. Agora já não tenho físico para isso – corrijo: continuo a não ter físico para isso –, mas podia perfeitamente estar na bancada em tronco nu a gritar, como bom mabeco.

Claro que irrita ver o Estádio Nacional vazio e, passadas umas horas, ver o Estádio do Dragão bem composto. Apesar disso, não consigo culpar o Governo. Ao contrário do que tem sido dito, não houve incoerência governamental. O facto de os eventos desportivos não poderem ter ninguém a ver não é incompatível com a final da Liga dos Campeões.

Em primeiro lugar, no Dragão estavam pessoas, mas não se pode dizer que estivessem a ver. Se tomarmos a taxa de alcoolemia do adepto inglês médio que apareceu nas reportagens, é impossível que alguém estivesse a ver bem o que se estava a passar no relvado. Havia menos gente a assistir do que a precisar de ser assistida. Quando falaram em “bolha” à ministra Vieira da Silva, ela percebeu mal. Não era “bolha” no sentido de os adeptos se manterem isolados enquanto estivessem em Portugal; era “bolha” no sentido das bolhinhas formadas pelo gás carbónico da cerveja que, nos primeiros goles, fazem comichão no nariz e a partir do centésimo gole dão vontade de coçar o nariz de outra pessoa, de preferência à força. Se, em 1890, o Governo de Luciano de Castro tivesse uma ministra com a capacidade de negação de Mariana Vieira da Silva, é provável que o Ultimato inglês passasse despercebido. “Não vamos ceder. O que se acontece é que o Mapa Cor-de-Rosa é agora a Bolha Cor-de-Rosa. De resto, tudo igual.”

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Em segundo, o que se passou no Porto não foi um evento desportivo, na medida em que, tecnicamente, apesar de se tratar de uma modalidade popular em Portugal, o lambe-cusismo a estrangeiros ainda não é reconhecido como desporto. Caso fosse, podíamos já antecipar várias medalhas olímpicas em Tóquio. E isto sem precisar de recrutar fora do Conselho de Ministros, que tem os atletas com as línguas mais bem treinadas do país.

Como já se tinha visto no ano passado, António Costa e os seus ministros têm um prazer especial em agradar à instituição que organiza torneios de futebol na Europa, enaltecendo a instituição que organiza torneios de futebol em Portugal. Para o Governo português, o nome completo do organismo é “UEFAz de mim o que quiseres, querida”. A UEFA, claro, aproveita. No futebol internacional, os jogadores portugueses têm fama de passarem muito tempo no chão, daí que a UEFA não estranhe que os governantes portugueses rastejem tanto.

Por uma daquelas afortunadas coincidências que, volta e meia, tramam o Governo e safam o cronista pouco capaz, na mesma semana em que ministros permitiram que milhares de bifes fizessem o que queriam em Portugal, houve um ministro que se insurgiu contra um bife que faz o que quer em Portugal. Pedro Nuno Santos emitiu um comunicado a repreender Michael O’Leary, dono da Ryanair, por gerir a sua empresa como se fosse mesmo uma empresa. Realmente, a lata desta gente não tem limites. O irlandês só não ficou com as pernas a tremer porque leu o comunicado durante um voo e nos aviões da Ryanair não há espaço para mexer as pernas.

Portanto, tudo teria corrido melhor se tivesse sido Pedro Nuno Santos a lidar com a vinda dos rufiões. De certeza que ele redigia um vigoroso comunicado, a ser entregue a todos os adeptos que desembarcassem no Sá Carneiro, com recomendações bem rígidas. Bastava aproveitar a base do comunicado anterior. Ficaria uma coisa deste género:

  1. Os adeptos ingleses são convidados em Portugal e não têm de fazer o Governo português passar por um bando de choninhas – mesmo, eu sei que é difícil, o Secretário de Estado do Desporto. Portugal é um Estado soberano e democrático e o Governo não aceita intromissões nem lições de um bando de hooligans bêbados. A não ser quando é golo. Ou quando há uma jogada perigosa. Ou um lançamento de linha lateral particularmente bem executado;
  2. Fica claro para todos que os adeptos ingleses se estão a procurar aproveitar de uma situação difícil, causada pela falta de coluna dorsal do Governo, para se amontoarem em esplanadas a emborcar canecas como se não houvesse uma pandemia. Perante os sistemáticos atos hostis, devem esperar do Governo uma atitude de cooperação e de indiferença;
  3. A compra de Super Bocks em Portugal é bem-vinda, mas é importante realçar que os adeptos só as consomem porque isso lhes é financeiramente favorável. E porque, reconheça-se, neste país não há grande escolha de cervejas. É uma questão de ser o mais fácil para se emborrachar e não um “favor” ao Estado português ou aos Portugueses. Os adeptos ingleses só vêm a Portugal porque é do seu interesse;
  4. Os adeptos ingleses, para andarem à porrada em Portugal, têm de respeitar o enquadramento legislativo nacional, que, talvez por estarem ébrios, teimam em desrespeitar. Como se diz na minha terra, à vontade não é à vontadinha, malta. This is not the one of Joana.