No dia 25 de Janeiro de 2017 deu entrada na Assembleia da República a petição “Toda a Vida tem Dignidade” (TVTD), assinada por 14.196 eleitores portugueses (mais de três vezes o número necessário para ser debatida em plenário da AR). Para o leitor mais esquecido, e uma vez que já se passaram dois anos desde a entrega da mesma, esta petição pedia aos deputados que rejeitassem a eutanásia, tomassem medidas para apoiar os idosos e incapacitados, recomendassem ao governo o aumento da rede de cuidados paliativos e continuados e que legislassem no sentido de proteger a inviolabilidade da vida humana.

Hoje, passados dois anos e 5 dias, quase um ano depois da última audição, 7 meses e 1 dias depois do chumbo da eutanásia no parlamento, a petição TVTD vai finalmente ser debatida no plenário da AR.

Só para termo de comparação convém relembrar que a petição que pedia a legalização da morte a pedido, com pouco mais de oito mil assinaturas, demorou apenas dez meses desde que foi entregue até ser debatida em plenário.

Bem sei que a petição TVTD, ao contrário da tal outra petição, não foi organizada por nenhum partido, não contava com a assinatura de vários deputados (que sem se perceber porquê pediam a si mesmos para legislar o que mais tarde vieram a propor), nem tinha entre os seus primeiros signatários apresentadores de televisão, comentadores desportivos, cantores vários nem supostos jornalistas que no fundo são politiqueiros profissionais. De facto, a petição TVTD era realmente uma petição da sociedade civil, promovida por um grupo cívico e que contou “apenas” com o apoio de muitos médicos, enfermeiros, juristas, assim como milhares de cidadãos comuns.

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Se é compreensível que a comunicação social dê mais atenção a uma petição recheada de famosos, já não se compreende que o parlamento trate de maneira tão díspar duas petições sobre o mesmo tema. Sobretudo quanto trata pior aquela que recolheu mais apoio popular.

Pergunto-me se esta diferença de tratamento se deve ao facto de, no grupo de trabalho que analisou as petições estarem vários signatários da petição a favor da eutanásia. Espero que não, porque não acredito que deputados dêem tratamento diferente aos cidadãos peticionários conforme concordem ou não com eles!

Mas passando à frente este pequeno pormenor (infelizmente o desrespeito do parlamento pelas petições não é novo, especialmente quando se trata de movimentos cívicos de defesa da vida) fica a pergunta: ainda vale a pena debater esta petição, sete meses após o debate e chumbo das propostas de legalização da eutanásia? E a resposta é claramente sim.

Sim antes de mais porque a petição não se esgotava no pedido de rejeição da eutanásia. Pedia mais: pedia respeito pela inviolabilidade da vida humana, pedia apoio aos idosos e incapacitados, pedia mais e melhores cuidados paliativos. E se é verdade que a proposta do CDS sobre os direitos dos doentes em fim de vida já veio ao encontro de alguns destes pedidos, ainda falta fazer muito mais.

Não podemos continuar a afirmar que a vida humana é inviolável quando há idosos e doentes incapacitados que morrem sozinhos em suas casas. Não é possível proclamar que o nosso país está baseado na dignidade da pessoa humana quando não temos uma rede de cuidados paliativos e continuados capaz de responder às necessidades da população. Não vale a pena continuar a falar de Estado Social quando as famílias não têm qualquer apoio para cuidar dos seus que mais precisam. Todos estes temas estiveram na ribalta enquanto se debateu a eutanásia, mas infelizmente voltaram ao esquecimento assim que as propostas de legalização da mesma foram chumbadas. Só por isto já era essencial o debate desta petição.

Mas convém também relembrar que, infelizmente, o tema da eutanásia não acabou. Aliás, no mesmo dia em que a sua legalização foi chumbada os deputados que a propuseram afirmavam que haviam de levar o assunto ao parlamento tantas vezes quantas as necessárias para a sua aprovação, demonstrado assim o seu respeito pela democracia.

Infelizmente nada que cause espanto uma vez que tem sido o método da esquerda em todas as causas fracturantes: votar, votar, votar até que o resultado seja do seu agrado. A seguir a causa passa a direito adquirido e nunca mais ninguém pode ousar debatê-lo.

Por isso é importante relembrar aos deputados que há um povo que rejeita a eutanásia. Relembrar esta petição que deu origem a dezenas de conferências e encontros por todo o país; que deu origem a dezenas e dezenas de artigos; que deu origem a milhares e milhares de mensagens electrónicas enviadas aos deputados; que deu origem a vigílias em Portugal e no estrangeiro; que deu origem à grande manifestação de 29 de Maio de 2018; que deu origem ao grito popular que levou os deputados a escolherem a vida e a rejeitar a eutanásia.

Haverá sem dúvida quem pergunte que sentido faz debater esta petição depois dos projectos de legalização da morte a pedido terem sido chumbados. E a resposta é clara: para que não nos esqueçamos de todos aqueles que em Portugal sofrem sem ter quem os apoie, para pedir à Assembleia da República que oiça a voz daqueles que querem uma sociedade que cuida, não mata.

Porta-voz da petição “Toda a Vida tem Dignidade”