A morte de George Floyd não pode nem deve ser ignorada. As imagens da vítima a dizer repetidamente que não conseguia respirar enquanto o agente lhe pressiona o pescoço com o joelho são chocantes e não deixam ninguém indiferente. É lamentável e nunca deveria ter ocorrido.

O problema da violência policial contra negros nos Estados não é novo e tão pouco se esgotará no caso de George como aliás não se esgotou em todos os casos semelhantes, ocorridos ao longo das últimas décadas. Mas temos de ter cuidado quando fazemos generalizações precipitadas. Afirmar, com base em casos isolados como o de George, que o racismo continua a estar institucionalizado na sociedade americana e nomeadamente nas forças de segurança da mesma forma que esteve no passado parece-me uma dessas situações. Um país profundamente racista, como alguns querem pintar, nunca teria elegido um presidente negro como o fez há bem pouco tempo. Quando queremos estender o racismo de alguns agentes a todas as forças de segurança americanas, temos também de fazer o exercício contrário e dizer que a comunidade negra é mais propícia ao crime porque é isso que a estatística nos diz. Teríamos de dizer que a comunidade negra persegue a própria comunidade negra, uma vez que a estatística também diz que a maioria dos homicidas de pessoas negras nos Estados Unidos são também eles negros. Não me parece que esta seja a forma certa de olhar o problema. Mais do que um branco que matou um negro, o que vemos é um indivíduo que foi assassinado por outro indivíduo que abusou da autoridade que o Estado lhe concedeu. Ou será que se o polícia fosse negro não existiria problema? Nesse caso, a vida do George não importaria?

Num Estado de Direito democrático, é à Justiça que cabe fazer os julgamentos e por isso devemos esperar que esta faça o seu trabalho. O polícia deve ser julgado e condenado se for esse o caso. Aceito que por vezes isto possa ser complicado, que a Justiça nem sempre se revele imparcial, que tarde ou que nunca chegue e aceito que tudo isso crie uma sensação de revolta na família, amigos e em último caso na comunidade negra. Uma célere e adequada resposta da Justiça nestes casos, não trazendo as vítimas de volta, seria meio caminho andado para a atenuação dessa raiva.

Mas não posso aceitar que a luta pelos direitos de pessoas alegadamente pacíficas seja feito à custa dos direitos de outras pessoas pacíficas. Não posso aceitar que roubo, destruição de património público, destruição de propriedade privada e agressões físicas, que resultam não raras vezes em mais mortes, sejam vistos como formas legítimas de demonstrar essa mesma revolta. Este tipo de ações, desrespeitosos para com a memória das vítimas, não são protestos, são crimes e nada têm a ver com a luta contra o racismo.

Parte da comunidade negra e de outras minorias continua, infelizmente, a ser instrumentalizada por grupos radicais que se aproveitam delas para fazer avançar uma agenda que não só não resolve os seus problemas como os intensifica. Os atos de vandalismo não têm qualquer outro efeito que não o de criar uma visão ainda mais hostil no resto da sociedade. Se tivessem algum efeito positivo o George não teria morrido, de tantas vezes que a violência já foi testada como solução para estes casos. Ironicamente, são grupos que reagem a abusos da autoridade do Estado com pedidos de doses mais fortes dessa mesma autoridade.

A vida do George importa. Mas a vida do sem-abrigo que viu os seus poucos pertences incendiados por esses criminosos também importa. A vida do casal que foi agredido e viu a sua loja ser destruída também importa. Ou todas as vidas importam ou nunca iremos resolver o problema do racismo.

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