Georgina Figueiredo é ex-dirigente do PAN. No Domingo, postou este texto no Facebook: “Pensamento do dia: há gente a mais neste planeta. A maior parte desta não vale os recursos que consome. Cada vez mais tenho nojo destes semelhantes em espécie com que me vou cruzando e sou obrigada a partilhar o ar que respiro. Que venha uma praga que limpe esta merda de gente. Dixit”. As redes sociais reagiram instantaneamente (passe a redundância) e os jornais foram atrás (passe outra redundância), castigando o PAN por lhe fugir o pé para a eugenia. Com a miúfa própria de quem já tem algo a perder, o PAN veio logo distanciar-se da antiga camarada, como se ela não tivesse sarna. A meu ver, mal. O PAN não precisa de se preocupar com uma possível repercussão eleitoral que estas declarações possam ter. É sabido que o povo português não castiga os partidos pelas tropelias de ex-militantes, como prova a maioria absoluta que se prepara para oferecer ao antigo partido de José Sócrates.

Mas, não há dúvida que malhar no PAN é uma tendência deste ano. Não há outra razão para um post de uma anónima ex-dirigente causar tanto furor. O tema da sobrepopulação é habitual no meio dos fanáticos do armagedão e é costume lerem-se defesas apaixonadas da necessidade de diminuir o número de pessoas no mundo. Não é um preocupação exclusiva do PAN, é partilhada por chalupas de outras agremiações.

Nem de propósito, ainda há 15 dias, Bernie Sanders, o mais elogiado candidato à santidade progressista – mas também à presidência dos EUA – falou sobre o assunto. Numa entrevista, uma senhora do público perguntou se, sendo a sobrepopulação um problema e havendo a necessidade de dar poder às mulheres e educar toda a gente para a urgência de limitar o aumento da população, Sanders estaria disposto a pegar nesse tema e transformá-lo num ponto fulcral do seu plano para evitar uma catástrofe climática. Sanders disse que sim e que para isso é fundamental o apoio dos EUA às organizações internacionais que actuam nos países mais pobres, para que ajudem as mulheres que desejam fazer abortos. Ou seja, para Sanders, o aborto não é tanto um direito da mulher à auto-determinação do seu corpo, mas uma ferramenta de controlo de população no Terceiro Mundo. Obviamente, só se Bernie Sanders fosse do PAN é que a imprensa portuguesa teria criticado isto. Mas, já se sabe que admiramos mais um teórico do aprimoramento da raça humana através da selecção de quem se pode reproduzir, se vier do estrangeiro.

Neste momento, a embirração com o PAN é de tal ordem que qualquer coisa que faça é mal feita. Nos últimos dias, a queixa é que o PAN agora só fala de clima. É clima, clima, clima, clima. Clima, clima, clima. Clima. Clima, clima, clima. Sinceramente, nem acho que o PAN fale de mais no clima. Acho até que fala de menos. Se eu estivesse convencido de que o mundo ia acabar daqui a 10 anos (ou são 5? Isto é como os iogurtes, de cada vez que olho o prazo é mais curto) por causa do clima e que havia alguma coisa que se pudesse fazer para o evitar, também não me calava.

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Aliás, começo a levar a mal os partidos que partilham a crença irracional com o PAN, mas resolvem ser moderados no discurso político, continuando a debater temas corriqueiros quando a Terra se prepara para desaparecer. Aquilo que André Silva chama, e bem, ecologiazinha dos anos 80 – numa boa demonstração de totalitarismozinho dos anos 40. Para quê discutir o acesso ao Ensino Superior, se todos os alunos vão morrer calcinados antes de chegarem ao fim do curso? Para quê reduzir o défice, se a Alemanha vai ser obliterada por um furacão e ninguém nos vai cobrar o que quer que seja? E as listas de espera nos hospitais, para quê preocuparmo-nos, se isto vai tudo para o galheiro? Portanto, toca a falar de clima. (Que, já agora, é uma óptima forma de controlo de população. Um maçador que fala de clima por tudo e por nada não tem grandes hipóteses de se reproduzir se, quando uma rapariga se mostrar disponível, vier com esta conversa: “Estás molhada? Ui! Realmente, o Painel Internacional sobre Alterações Climáticas alertou para o facto de a humidade ter aumentado bastante desde 1978!”)

Este discurso da emergência climática dá muito jeito em termos políticos. Em primeiro lugar, tudo o que acontece de mal deve-se ao clima. Logo, a culpa nunca é do Governo, é de toda a humanidade. “Incêndios? Era impossível salvar aquelas pessoas, o aquecimento global não deixou

Depois, qualquer proposta, por mais parva ou cara que seja, torna-se imediatamente justificada se se conseguir arranjar uma ligação, ainda que ténue, ao clima. “O Brasil não sabe cuidar da Amazónia, se calhar é melhor ocuparmos aquilo e ficarmos a tomar conta. Não temos interesse nenhum naquilo, mas é pelo clima”.

Finalmente, qualquer exigência, por mais justa que seja, é menosprezável face ao iminente cataclisma, que absorve todos os recursos disponíveis. Uma mãe a queixar-se da falta de condições do IPO pediátrico passa por mesquinha, face à necessidade de gastar todo o dinheiro na descarbonização, ou lá o que é. Mesmo que a nossa descarbonização seja despiciente, uma vez que a China e a Índia continuam a queimar carvão à bruta.

Ou seja, o discurso catastrofista sobre as alterações climáticas recompensa duplamente, já que desresponsabiliza e, ao mesmo tempo, dá poder. De facto, o clima anda muito estranho: finalmente é possível ter sol na eira e chuva no nabal. Se bem que metade da chuva são perdigotos dos fanáticos do clima a vociferarem para cima de nós.