Estamos em 2022, passaram dois anos desde aquele momento que mudou o mundo e que aparentemente fez parar o tempo. Ainda nos é recente a sensação de confinamento, de que o mundo tinha entrado num impasse. Mas o mundo não parou, pelo contrário, trouxe mudança e acelerou a necessidade de uma adaptação rápida aos novos desafios, e exigiu que nos reinventássemos para abordar esses desafios.

Em boa verdade, o coronavírus acabou por ter um impacto expressivo na chamada “Revolução Digital”, acelerando-a e mudando significativamente não só o comportamento dos consumidores, mas também o das empresas. Segundo um estudo realizado pela consultora McKinsey, testemunhou-se um “salto” de 5 anos no que diz respeito à aceleração no investimento, desenvolvimento e adoção de soluções e plataformas digitais, durante a pandemia. Para além disso, a mesma consultora verificou ainda que as empresas aceleraram a implementação do trabalho remoto 40 vezes mais rápido do que o esperado, estimando-se ainda que cerca de 54% dessas empresas acredita na permanência do teletrabalho mesmo em pós-pandemia.

Contudo, esse tempo não serviu só como incubadora para a inovação e para o desenvolvimento da tecnologia e dos canais digitais. Permitiu também fazermos um exercício de introspeção e colocarmos em perspetiva diversos tópicos, nomeadamente o desemprego, as oportunidades iguais de trabalho, a inclusão, a saúde mental, a qualidade de vida e o equilíbrio entre vida profissional e a vida pessoal. Tópicos esses, que ao longo destes últimos dois anos, têm sido cada vez mais levados em conta pelas empresas do setor tecnológico, com o objetivo de promover a motivação e a diversidade entre os seus colaboradores.

Afinal, a fonte que alimenta o desenvolvimento científico e tecnológico é a inovação. E, para haver inovação, é essencial e urgente fortalecer culturas empresariais que valorizem equipas diversificadas, e cujas diferentes ideias e pontos de vista permitem resolver desafios com maior velocidade e criatividade. Porém, apesar de haver um esforço na direção certa por parte de muitas empresas, reconheço que ainda existem alguns desafios, sobretudo no que toca à representação feminina na indústria tecnológica. A questão que se impõe é: porque será que isso acontece? Estamos em 2022 e, de acordo com o Global Gender Gap Report 2020, do Fórum Económico Mundial, o fosso económico entre homens e mulheres tem aumentado, para o qual muito tem contribuído o reduzido número de mulheres que ocupa posições em tecnologia, uma área que por sua vez tem assistido a um crescimento substancial. A pandemia potenciou a digitalização, mas as disparidades de género pré-existentes foram ampliadas pela crise, ao invés de se aproveitar esse momentum para investir em locais de trabalho mais inclusivos, através do aumento da participação das mulheres na workforce e da sua ascensão em cargos de liderança.

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Analisando estes dados, é possível identificar-se diversas áreas de melhoria: desde a participação económica e incentivo a oportunidades iguais, o incentivo à educação em áreas ligadas a ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), o incentivo à representação feminina tanto em papéis de liderança como no empreendedorismo. E, claro, a aposta em medidas que combatam, não só as disparidades salariais entre homens e mulheres, mas também a discriminação etária e o chamado “fator risco” associado a uma mulher que tenha ou pretenda constituir família.

Do meu ponto de vista, tudo isto se resume a um só – e talvez o mais importante – agente de mudança: a cultura. Criar medidas que visem fazer cumprir todos estes pontos ajuda, contudo o fundamental é mesmo mudar mentalidades. É importante incentivar as jovens a estudar e construir carreiras nas STEM, reconhecendo e normalizando a sua presença nestas áreas, reforçando as suas capacidades e aptidões e, mais ainda, dotá-las de mentoras ou role models com quem se possam identificar e que as inspirem a alcançar sempre mais. Para isso, precisamos de mudar mentalidades, não só nas camadas jovens e no ensino, mas também fomentar a igualdade nas empresas, demonstrando um compromisso na promoção de uma cultura de equidade e inclusão desde o início da carreira até cargos de liderança, permitindo assim oportunidades salariais e de progressão de carreira iguais para todos e para todas.

Está por isso na altura de aproveitarmos o impulso que a pandemia deu às plataformas digitais e incentivar a formação das próximas gerações na área da tecnologia, de agir para mudar culturas para que o futuro seja cada vez mais inclusivo, porque é urgente atrair, apoiar e reter as jovens mulheres na tecnologia.

Márcia Lima, DevOps Engineer na Bosch Security Systems

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.