Em pleno séc. XXI, a visão estereotipada de uma biblioteca, enquanto repositório documental e espaço de leitura, à semelhança de um espaço religioso, dedicado ao culto do livro, tem os dias contados. Ao longo da história, o livro tem desempenhado um papel preponderante na evolução da humanidade e é um suporte de qualidade comprovada que, no futuro, continuará a servir-nos proficientemente, mas não é o único… O livro, efetivamente, não é o único suporte de informação e, apesar de resistir à obsolescência, típica dos meios eletrónicos, como é o caso das cassetes, disquetes, CDs e outro tipo de suportes, a hodierna geração Z, de nativos digitais, permanentemente conectada, exige uma biblioteca que ofereça respostas à atual sociedade do conhecimento, com um especial enfoque na exploração crítica dos recursos em linha, tecnológicos e, claro está, a promoção da leitura, independentemente do suporte.
A Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) reconhece que as bibliotecas devem não apenas circunscrever-se à literacia da leitura, mas, também, à literacia dos média e da informação. Assim, na biblioteca escolar do “Agrupamento de Escolas José Belchior Viegas”, de forma a elencar todas as literacias advogadas pela RBE, desenvolvi um projeto assente em atividades de transmedia storytelling, que envolve alunos do ensino secundário, membros do clube da robótica, alunos do primeiro ciclo, professores e encarregados de educação.
Antes de prosseguirmos, convém perceber o que é transmedia storytelling. Assim, de acordo com Jenkins (2007) (e também aqui ou aqui) trata-se de um processo que faz uso de vários recursos média, onde cada elemento desempenha um papel único, no desenrolar da narrativa. Daqui, deverá emergir uma experiência aunada, onde os média são usados para um fim e num determinado contexto, cuja finalidade principal se prende com a necessidade de enriquecer uma mensagem e ampliar o seu impacto, junto do espectador. Desta forma, Jenkins resume transmedia storytelling como a arte de criar mundos.
O formato transmedia não é recente e basta reportar-nos como exemplos aos universos “Star Wars” ou “Harry Potter”. Nestes mundos, as histórias são-nos apresentadas em diversos formatos (obras literárias; filmes; séries de animação; banda desenhada; peças de teatro) dos quais emergem várias histórias que têm, em comum, um fio condutor.
Partindo da premissa de que a Biblioteca Escolar deverá funcionar como um centro promotor de conhecimento, achou-se por bem integrar as atividades do clube de robótica nesta estrutura pedagógica. Assim, uma vez por semana, as atividades do clube da robótica decorrem numa biblioteca, onde os alunos do ensino secundário vão ensinar os mais novos, do primeiro ciclo, a criar artefactos tecnológicos que irão integrar as histórias transmediadas.
O processo transmedia tem a vantagem de explorar a capacidade natural dos alunos mais jovens de, num processo de prosopopeia, dar vida a objetos e brinquedos, pelo que estes terão de ler, previamente, as histórias e produzir guiões para as atividades performativas. As ferramentas tecnológicas, usadas, visam a criação de personagens, adereços e desenvolvimento de atividades, como: jogos de computador; personagens 3D (modeladas e impressas); artefactos de realidade aumentada; apresentações multimédia; interpretações musicais; mapeamento de vídeo; dispositivos de animatrónica/robótica; entre outras atividades e tecnologias inovadoras.
Paralelamente, no corrente ano letivo, iremos prestar formação aos encarregados de educação, para que, numa atividade colaborativa com os seus educandos, possam transmediar histórias, previamente lidas, nos formatos stop motion e banda desenhada, com recurso a aplicações de dispositivos móveis. As histórias, posteriormente, serão publicadas no canal de Youtube da rede local de bibliotecas concelhias. Para as atividades performativas, a apresentar à comunidade escolar no final do ano letivo, os encarregados de educação serão, ainda, envolvidos na produção de cenários, integração no elenco e nas atividades de encenação/ preparação dos alunos. Desta forma, estaremos a trabalhar para uma escola mais inclusa e que valoriza o papel de todos os agentes educativos.
Através das atividades de transmedia storytelling, a biblioteca transfigura-se e parece pertencer ao universo “Harry Potter”, com livros a sair das prateleiras e a ganhar vida, máquinas que produzem poções mágicas, objetos de realidade aumentada a surgir do nada, entre outros artefactos que populam este ambiente de fantasia. O presente projeto, pela sua natureza inovadora, tem vindo a ser reconhecido: foi premiado nos concursos “Ideias com mérito”, da Rede de Bibliotecas Escolares, e “Ciência na Escola”, promovido pela Fundação Ilídio Pinho, onde obteve um segundo lugar. Pretende-se agora incluir este tipo de atividades no Plano Nacional das Artes e democratizar este processo, popularizando-o pelas diversas bibliotecas escolares do nosso país.
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.