Na segunda-feira passada, o Conselho de Ministros veio à Universidade do Minho sujeitar-se a perguntas sobre a sua governação. Como sempre, houve melhores e piores perguntas e, também, melhores e piores respostas. António Costa esteve, no geral, bem, como seria de esperar, dada a sua experiência e habilidade, a que, naturalmente, se junta uma legislatura que está a correr melhor que o esperado. Mas houve três perguntas cujas respostas me pareceram manifestamente curtas ou desadequadas.

1. Primeira pergunta (Justiça Social)

A primeira pergunta da sessão foi feita por Carla Gomes, minha aluna. (Minuto 11 do vídeo que pode ser visto aqui). Contou ela que tem “um irmão com paralisia cerebral”, com cerca de 100% de incapacidade. “Recebe uma pensão de invalidez de 270€ por mês, sendo que mais de metade desse valor é para medicação e cuidados de higiene.” A mãe, tutora do irmão, recebe um complemento de 170€. Quer a mãe quer o pai recebem o salário mínimo. Não conseguem encontrar instituições que os apoiem (até porque não têm dinheiro para pagar o que lhes pedem). A pergunta que a Carla fez era simples: por que raio não entrega o Estado às famílias cuidadoras o dinheiro que entregaria a uma instituição que ficasse com a pessoa com deficiência? E porque é que nessa quantia entregue não se incluem também alguns descontos para a Segurança Social?

Nem sempre será possível, mas, quando o é e quando há vontade, existe alguma dúvida de que os familiares directos são as pessoas certas para cuidarem?  E não é razoavelmente evidente que não é justo condenar à pobreza uma família que teve o azar de ter um filho com deficiência profunda?

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A resposta foi um chuto para canto. O ministro Vieira da Silva falou nos apoios que já existem e a que se acrescentam umas migalhas, mas que não resolvem o problema de fundo. O problema, diga-se, entronca na legislação sobre cuidadores informais, que nunca mais fica pronta. Para todos os efeitos, é como se eles e o seu trabalho não existissem. Não dá direito a tempos de descanso, não conta para reforma, não é reconhecido como aquisição de competências. Parece que para o Estado português apenas vale a pena financiar instituições, mas nem pensar em financiar (nos mesmos montantes) — nem reconhecer — os cuidadores directos. Não aceitamos que as pessoas com algum tipo de incapacidade (ou as suas famílias) possam decidir por si o seu futuro.

Veja-se o caso de Eduardo Jorge, tetraplégico, mas com actividade profissional. A única solução que o Estado lhe oferece é mantê-lo num lar de idosos, que custa ao Estado 1000€. Se quiser ter uma vida independente, em casa, e contratar alguém para o ajudar, o Estado dá-lhe um apoio de 93€. Como ele, há muitos outros.

Esta gente não precisa de migalhas. Não precisa que se aumentem os actuais apoios ou que se acrescente uma alínea à lei onde se possam encaixar melhor. Precisam de uma mudança de paradigma. Precisam de ser respeitados. E respeitá-los é, também, deixá-los decidir o que fazer da vida e apoiá-los da mesma forma como seriam apoiados se ficassem institucionalizados.

2. Segunda pergunta (Segurança Social)

A segunda pergunta cuja resposta me pareceu manifestamente curta foi feita por Xavier Nogueira sobre Segurança Social. Começou por apresentar alguns factos assustadores, cujas implicações estão bem sumariadas num estudo feito pelo Banco de Portugal que conclui que, nas próximas décadas, a redução da população em idade activa, e consequente envelhecimento, vai traduzir-se numa perda acumulada no PIB per capita de 19 pontos percentuais. A pergunta era óbvia: se o governo considerava que sem mudanças de fundo o sistema de Segurança Social era sustentável. (Minuto 44 do vídeo.)

Perante estes números avassaladores, o ministro da Segurança Social não vê nenhum grande problema pela frente e limita-se a responder com a conversa do costume: que não se conforma com a redução da população activa, que a Segurança Social tem de diversificar fontes de financiamento, que é necessário aumentar emprego, etc. Fala como se estivéssemos perante um problema conjuntural que se resolve com um acréscimo do emprego, o regresso de alguns jovens que emigraram e alguma diversificação das receitas da Segurança Social.

Vieira da Silva fala como se não estivéssemos perante um verdadeiro Inverno demográfico. Vamos lá ver, o que está projectado pelo INE no seu cenário central é que, em 2060, a população em idade activa se reduza em cerca de 2 milhões e 500 mil. Já a população mais velha deve aumentar em 1 milhão. Isto num país que deverá ver a sua população residente cair de 10 milhões e meio para 8 milhões e meio. É muito menos gente a trabalhar e muito mais pensões para pagar.

Os desafios que esta evolução demográfica coloca não são compatíveis com um discurso puramente conjuntural de “vamos lá fazer com que alguns jovens regressem ao país e diversificar algumas fontes de receitas”. Ou se ataca o problema a sério, ou daqui a poucas décadas estaremos atulhados em impostos para pagar a Segurança Social.

3. Terceira pergunta (Segurança Nacional)

Mas, na verdade, a resposta que mais calafrios me deu foi a dada ao último estudante que falou. (Vídeo, 1h44min.) Daniel Santos começou por dizer que “Portugal faz parte do sistema multilateral das Nações Unidas, que criou e continua a desenvolver programas de controlo da disseminação de armas para mercados ilícitos”. De seguida, lembrou que a ONU reconhece que a má gestão de paióis nacionais alimenta diretamente o crime organizado e o terrorismo através do comércio ilícito de armas e munições. Finalmente, informou-nos que, na semana passada, “a União Europeia adoptou um programa de controlo de armas, com a finalidade de impedir que o tráfico alimente o terrorismo no seio da Europa”.

A ligação disto com Tancos e com o caos nos paióis portugueses é óbvia. À medida que vamos sabendo pormenores, cada vez temos mais razões para estar assustados. Como já é público, o nosso exército nem um inventário decente tem das suas armas e munições. Mas à pergunta sobre se Portugal deveria “solicitar supervisão externa e imparcial, durante o decorrer das investigações, de forma a evitar que a sua posição fique ainda mais comprometida, podendo ser visto como um país facilitador de movimentos terroristas”, o primeiro-ministro simplesmente se recusou a levar a questão a sério, dando uma das respostas mais curtas da sessão. Explicou que, logo no dia a seguir à notícia do furto, ficou posta de lado a hipótese deste ter servido tais propósitos.

Fiquei pasmado com a resposta. Como é possível responder com tanta certeza a esta pergunta e, ainda por cima, com base numa reunião que houve no dia a seguir à notícia do furto?! Até parece que depois disso o Governo não andou aos papéis para tentar perceber o que se tinha passado. Ora tinha havido furto, ora apenas tinham roubado material velho, ora as armas eram devolvidas, ora o Ministro da Defesa nem sequer sabia se teria havido algum roubo, ora tinham sido devolvidas munições extra, ora afinal não era bem assim.

O caso de Tancos é um daqueles casos que põem em causa a Segurança Nacional. Na pior das hipóteses, é até possível que se trate de um crime de alta-traição à pátria. Na melhor, os nossos militares não sabem fazer inventários e a gestão dos nossos paióis levanta sérios problemas de segurança.

Seja qual for o cenário, parece óbvio é que não há forma de garantir que as armas portuguesas não andam a alimentar o crime organizado ou o terrorismo internacional. A não ser, claro, que achemos que estas armas e munições sejam para a caça à perdiz.