Tenho 20 anos e faço parte, com muito orgulho, do segundo ano do Mestrado Integrado em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Assim como todos os meus colegas, entrei nesta Faculdade porque quis, com um sonho às costas e uma grande vontade de fazer do sonho a minha futura realidade.

Todos sabemos que Medicina não é fácil. Na verdade, até esta característica é usada como apanágio de quem já entrou. Mas será esta dificuldade algo que nos faz evoluir ou algo que nos faz desistir?

Vivemos dias incertos e uma grande parte do nosso curso tem sido anormal e, como é claro, a pandemia não é culpa de ninguém. Contudo, a maneira como se reage é responsabilidade desta dita instituição. Não falo dos primeiros dias do caos (que até foram bastante bem geridos), mas dos dias que já suplantam o primeiro ano desta catástrofe.

Gosto muito do sítio onde estudo, isso nem sequer está em causa. Na verdade, por gostar tanto é que me revolta ver a maneira como nos conseguem afastar cada vez mais do nosso sonho.

Para quem não sabe, na véspera do nosso primeiro exame do 1º semestre deste ano letivo, recebemos a informação de que as nossas avaliações estavam todas canceladas devido ao agravamento da situação pandémica. A Faculdade não quis fazer os exames online por achar que estes seriam marcados fortemente pela fraude académica. Uau! qual foi a solução? Realizar esta época de exames logo a seguir à do 2º semestre.

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Alguém está confuso? Todos nós.

Porque ninguém consegue perceber como é que isto é justo ou até benéfico para nós, alunos. Qualquer pessoa sabe o quão difícil consegue ser uma época de exames, quanto mais uma de Medicina (não querendo desvalorizar qualquer outro curso). Duas seguidas? Parece o paraíso. Afinal, apregoam a prevenção do burnout, o bem-estar dos profissionais de saúde, a luta por melhores condições entre tantas outras coisas. No entanto, chega a hora da verdade e toca a massacrar os alunos, porque o valor da instituição é superior ao da saúde dos alunos e, consequentemente, à dos doentes que estes alunos hão-de vir a tratar.

Podiam ter dado ouvidos às outras faculdades, aos professores (poucos têm voto na matéria), aos alunos – a verdadeira força motriz da instituição -, mas não. “Eles sabem que Medicina é difícil, por isso, não se devem importar de sofrer”. Câmaras ligadas durante os exames online? Não, isso é demasiado avançado para a esbelta Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. E esta foi só uma das várias soluções apresentadas pelas restantes faculdades do nosso país e que não foram postas em prática na nossa dita e em ruínas “casa”.

Será que isto chega? Nunca nada chega para a FML.

Estamos, agora mesmo, a começar a segunda época de exames, de um ano de puro terror a nível académico. Primeiro exame feito e com mil problemas informáticos. Quem é que sai prejudicado uma vez mais? Os alunos, que se têm de sujeitar a uma mini-avaliação oral por não terem tido a oportunidade de o demonstrar na altura certa. O nível de dificuldade dos exames continua a aumentar comparativamente ao dos anos anteriores. O mesmo exame que costumava ser “acessível” passa a ser a descontar e tudo é normal porque os futuros médicos têm de sofrer.

Não, não é normal.

Nada disto é normal.

Vivemos todos estes tempos difíceis, que para ninguém foram fáceis, nem mesmo para nós. Como é que alguém pinta o cenário mais antipedagógico possível e acha que nós saímos beneficiados desta situação, ao ponto de precisarmos de exames mais difíceis, em alturas em que já estamos todos mais que exaustos, sem ter um único segundo para respirar?

Eu, quando for grande, quero ser um médico capaz, competente e com orgulho na minha alma mater. Não quero contar histórias de terror sobre os meus exames nem falar dos meus colegas que entraram em burnout e que só fizeram o curso colados a psicólogos e psiquiatras.

Exigência? Sim. Massacre? Nem pensar.

Bastava terem ouvido realmente os alunos e outras soluções teriam surgido. Apesar de tudo, merecemos ter uma voz e o mínimo de respeito.

Neste momento, só quero justiça, igualdade e saúde. Na realidade, gostava de poder simples e verdadeiramente aprender. Dispenso uma instituição que quer viver de aparências e que pouco se importa com o grau de satisfação e bem-estar dos seus alunos.

Como disse, tenho muito orgulho na minha faculdade, daquilo que aprendo, dos meus colegas. Não escolheria outra. E é por esse “amor” que precisamos que nos oiçam e que nos parem de afastar do verdadeiro conhecimento, da Saúde e cuidados que tanto queremos, um dia, prestar.

Muito obrigado por finalmente nos darem atenção.