Qual é o escândalo do Twitter? É talvez este: não haver escândalo depois do que ficámos a saber quando Elon Musk deu acesso às comunicações internas da empresa. O Twitter suprimiu, na véspera das eleições presidenciais de 2020, o noticiário sobre o modo como a família de Joe Biden explorou a sua influência política para enriquecer? E depois? O Twitter escondeu as comunicações de utilizadores que não partilhavam as opções de esquerda maioritárias na empresa? E que mal há nisso? E toda esta indiferença, reparem, vinda de gente que, logo que Musk comprou a empresa, declarou a liberdade em perigo.

O mais curioso dos truques utilizados para diminuir o impacto das revelações consistiu em fazer de conta que se esperava muito mais. Como assim, não descobriram ordens assinadas pelo presidente dos EUA a mandar o Twitter esconder ou banir? Então, nada tem importância. Acontece que tem importância, não só o que se passou então, mas o que se passa agora, quando é de bom tom fingir que os Twitter Files não seriam mais do que um golpe de Musk para pôr o mundo inteiro a falar da sua nova empresa, ou uma simples erupção de ressentimento direitista.

O Twitter, como outras redes sociais, foi um enorme engano. Propôs-se ao público como uma plataforma tão neutral como um telemóvel, em que podíamos expressar todas as opiniões e aceder a todos os pontos de vista, sem o filtro da edição dos meios de comunicação tradicionais. Não era um jornal, mas uma praça pública, sem mais interferências do que a de algoritmos que visariam apenas fazer os conteúdos chegar a quem mais interesse neles tivesse. De facto, não era nada assim. Ao contrário de uma empresa de comunicações telefónicas, havia conteúdos que o Twitter não queria deixar circular, e utilizadores a quem não queria deixar falar. E a selecção foi sempre enviesada a favor da esquerda dita “progressista”, porque era essa a opinião da maioria do pessoal que trabalhava no Twitter. Sim, todos os partidos pressionaram a empresa, mas um foi muito mais bem servido do que o outro: os Democratas, preferência de mais de 90% dos empregados da empresa para as suas doações a partidos políticos.

Não é portanto necessário imaginar uma conspiração à Watergate, como Musk insinuou, nem presumir, como Trump, que a supressão da história de Hunter Biden determinou a eleição de 2020 (não determinou), para encontrarmos um problema. Aliás, dois. O primeiro é este: o Twitter estava imerso na cultura tóxica do “progressismo”, como muitas outras empresas tecnológicas. Para os “progressistas”, a diversidade de opinião é ilegítima. Tudo o que não é concordar com eles lhes parece “discurso de ódio”, e “incitamento à violência”. Mais: não acreditam no debate livre como o meio mais apropriado para separar as boas das más opiniões. Pressupõem que o público é estúpido e, portanto, que a liberdade é perigosa. Desconfiavam até dos seus próprios algoritmos, que favoreceriam a “direita”. Daí que nunca tivessem tido escrúpulos em banir e em esconder, tal como agora não têm dúvidas em encolher os ombros.

Não devemos, porém, esquecer o outro problema, que está na origem de tudo. O Twitter fazia de conta que era o nosso telemóvel. De facto, através da “moderação”, funcionava como um jornal. Só que, ao contrário dos jornais, além de não pagar a quem produz os seus conteúdos, nunca assumiu ter um ponto de vista e fazer edição (admitiu apenas que havia “regras”). Convidou deste modo o público a aderir a um meio supostamente aberto a todos e a tudo,  que depois serviu a uma clique de donos da verdade para tentarem manipular a opinião. Andámos meia dúzia de anos cheios de medo do “populismo” e das suas plebes. Não reparámos como uma elite de pseudo-iluminados, cheia de superioridade moral, corrompeu o debate público em que assenta a democracia. Agora, que falharam e tudo ficou à mostra, mandam-nos acreditar que não teve importância. “Erros”, quando muito. Vamos acreditar?

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