“Saboroso”, “inesquecível” e “contraditório”. Palavras que foram usadas pelo primeiro-ministro, pelo presidente da Assembleia da República e pelo Presidente da República para classificarem o ano de 2017. Foi sem dúvida um ano em que vivemos numa montanha russa às cegas, entre o inesperado muito bom e o igualmente inesperado muito mau. Entre “o mais baixo défice público da democracia” e os mais de cem mortos nas tragédias dos incêndios estão os altos e baixos que demonstram que as contas podem bater certo para Bruxelas mas o país pode, simultaneamente, estar a caminhar para o subdesenvolvimento.

Essa é talvez a grande lição de 2017. Um ano em que a economia crescerá como não se via desde a adesão ao euro, em que o emprego sobe e o rendimento aumenta, em que Portugal se torna moda no turismo, em que saímos do nosso terceiro procedimento por défices excessivos, em que duas das três grandes agências de ‘rating’ dizem que financiar o Estado português deixou de ser um investimento de risco especulativo e em que as taxas de juro da dívida pública no mercado secundário baixam para valores inferiores aos de Itália.

Foi também o ano em que se estabilizou o sistema financeiro sem que isso ainda signifique que o problema está resolvido. Este fim de ano tem aliás demonstrado isso, como é o caso Montepio e a eventual entrada da Santa Casa da Misericórdia para o seu capital – um processo que ainda vai fazer dar muito que falar por se estar a envolver uma instituição com as características da Santa Casa na salvação de uma instituição financeira.

Finalmente assistimos à eleição de Mário Centeno para presidente do Eurogrupo, mais um dos improváveis acontecimentos, se levarmos em conta aquela que foi a estreia do ministro das Finanças no grupo que reúne os ministros das finanças da área do euro. Esquecendo-se das boas práticas, a sua estreia foi marcada por um discurso de “viragem da página da austeridade” e criticas à política do anterior Governo que se traduziam em criticas aos seus pares no encontro. Ainda antes de ser escolhido para liderar o Eurogrupo ainda ouviu um elogio do também por si muito criticado ex-ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble: o Ronaldo do Ecofin.

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Nessa altura já se tinha percebido que “virar a página da austeridade” era um discurso sem substância objectiva que não fosse o objectivo político de garantir o apoio da esquerda e gerar confiança. A austeridade continuou, e bem, com a sua dor aliviada pela recuperação económica, por impostos indirectos ou “taxas e taxinhas” e cortes que só se viram depois. Mas como aquilo que não se vê nunca se sabe se aconteceu Centeno conseguiu ser visto como Schäuble lá fora e como Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa cá dentro. Digno de um mestre.

Nada disto se conseguia prever há um ano. Bem pelo contrário, até o próprio Governo duvidava da sua estratégia, se levarmos em conta que acabou por ter um resultado nas contas públicas melhor do que aquele com que se tinha comprometido com Bruxelas.

Do lado negro, vivemos as inacreditáveis mortes nos incêndios de Pedrogão e de 15 de Outubro, que nos expuseram um país esquecido; o roubo de armamento numa base militar assim como todo o processo a ele associado, até mesmo a sua descoberta, e que nos fez olhar atónitos, também, para os militares; a mensagem da aluna para as suas colegas a revelar indirectamente que a sua explicadora estava a revelar-lhe o exame que iam fazer; a aluna que partilhou um vídeo da comida na cantina da sua escola onde se via uma lagarta e que por isso esteve em risco de ter um processo disciplinar; o caso da discoteca Urban Beach, vezes sem conta denunciada, e só encerrada quando alguém partilhou a violência que se praticava à sua porta e, finalmente, mas não menos importante, o caso Raríssimas em que, mais uma vez, há indícios de os serviços do Estado se não mesmo o próprio ministro do Trabalho terem ignorado as denuncias feitas desde Janeiro, ao ponto de terem “desaparecido” cartas enviadas com aviso de recepção. Podiam ter evitado o risco que a Raríssimas agora corre mas não o fizeram.

António Costa e Mário Centeno são sem dúvida as figuras do ano de 2017.

O primeiro-ministro é mais uma vez a personalidade que marca este ano pela capacidade que tem demonstrado de passar incólume pelos piores acontecimentos. Uma das tácticas, vamos percebendo aos poucos, é desaparecer no auge das más notícias, aparecendo apenas quando é mínima a possibilidade de existirem mais surpresas sobre o mesmo tema. Foi assim com os incêndios, foi assim com Tancos, foi assim com a Raríssimas.

O ministro das Finanças Mário Centeno concorre com António Costa neste poder de atrair os bons acontecimentos e ver-se livre dos maus. Depois do que viveu e fez viver no caso da administração da CGD liderada por António Domingues, de ter o recorde das cativações, de ser avesso a perguntas incómodas e de ser o ministro das Finanças com mais intervenções típicas de políticos de partido de que há memória, tudo isso ficará esquecido. Será de Centeno que a história falará quando identificar o ministro das Finanças que obteve o défice público mais baixo da democracia. Será de Centeno que a história portuguesa falará como o primeiro português a liderar o Eurogrupo. Como o conseguiu será pouco importante, como sempre foi no passado.

Os acontecimentos nacionais do ano expõem o contraste que foi 2017, por um lado o sucesso económico-financeiro, pelo outro a tragédia dos incêndios. O país dual que temos expôs-se da forma mais contrastante que alguma vez conseguiríamos imaginar.

Com um ano que foi uma montanha russa resta-nos pedir ao Pai Natal que em 2018 nos faça desaparecer a parte da descida a pique, que nos reserve apenas surpresas positivas. E que, de alguma forma, consiga que as instituições sejam mais fortes e os portugueses mais exigentes consigo e com a sua elite política, financeira e empresarial.

Boas Festas para todos os leitores.