Que saiba, há duas óperas escritas por compositores célebres que têm por tema a história de Portugal. Donizetti escreveu um Dom Sébastien, Roi du Portugal. Foi a sua última ópera. Depois enlouqueceu e foi internado num asilo. Meyerbeer compôs L’Africaine (sobre Vasco da Gama). Também foi a sua última ópera. Morreu subitamente um dia a seguir ter completado a cópia da partitura. Algo me diz que há mais do que coincidência nisto. É verdade que a última ópera de Rossini foi sobre um herói suíço. Mas foi a última porque já estava rico e se queria dedicar à culinária e outros prazeres. Viveu ainda muito tempo. Não, Portugal é mesmo capaz de dar azar. No fundo, não há ninguém que não pense, por uma vez ou outra, que Portugal é um azar.
Hoje em dia, pelo menos, tende a sê-lo. Vivemos numa situação esquizofrénica em que o plano do discurso e o plano da realidade são quase perfeitamente incompatíveis. E, como temos de viver em contacto com os dois, a não ser que, por amor à natureza ou outra razão, nos façamos eremitas numa montanha, a vida é toda ela, por um lado, ordem feita de expectativas satisfeitas, e toda ela, por outro lado, desordem que interdita sequer a formulação consistente de expectativas. Tudo é desfasamento e incoincidência.
Comecemos pela desordem, isto é, pela realidade. Não há dia em que não ouçamos novas descobertas sobre um mundo subterrâneo composto por gente que anda à luz do dia e que se dedica alegremente à corrupção sob uma qualquer das suas mais variadas formas. O caso de Tancos, no seu cómico intrínseco, envolveu várias figuras eminentes, como o ex-ministro Azeredo Lopes, e parece destinado a permanecer o mais ridículo mistério da democracia. Há agora o caso das golas da Protecção Civil, produzidas pela empresa “Foxtrot Aventura”, um nome que é todo um programa, que, não fosse o trágico dos fogos, quase seria tão cómico como o das armas de Tancos. De qualquer maneira, se as pessoas pensavam que podiam tomar as golas como protecção – não pensem. Era só para “sensibilizar”. O ministro da Administração Interna, também por causa dos fogos e também para “sensibilizar”, insulta o presidente da câmara de Mação. O SNS está um caos inominável e a ministra da Saúde trata os enfermeiros, os médicos e os doentes como inimigos pessoais. E há os transportes, e os cartões de cidadão e tudo o resto para o qual não tenho espaço nem paciência aqui. Como formular expectativas e fazer planos neste mundo? É todo ele um novelo cuja ordem por inteiro nos escapa.
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