1 Estou entre os candidatos do CDS pelo círculo do Porto. Respondi sim, com muita honra, a quem me convidou, e assim me entrego, com humildade democrática, ao sufrágio dos meus concidadãos, cujo voto pedirei. Por uma questão de coerência, a minha resposta não podia ser outra.

Uma simples resposta de “presente!” entre a gratificante convergência de tantas, tantas outras, de todo o tipo, neste mesmo espaço político-partidário, sem cálculo de incómodos e inconveniências pessoais.

Há valores do património histórico da instituição CDS mais ameaçados na atualidade do que nos tempos do PREC, e, felizmente, no passado dia 13 deste corrente mês, em Gaia, significativo número de homens livres, figuras históricas do partido, tiveram oportunidade de dar aos mais jovens, que hoje, com a legitimidade do voto, a legitimidade das causas e da sua entrega competente, lideram as batalhas políticas do partido (desde logo a Francisco Rodrigues dos Santos e a Filipa Correia Pinto, cabeça de lista do Porto), um sinal claro de solidariedade relativamente ao testemunho que agora as suas lideranças empunham e receberam, e que decorre de um património de serviço, valores e razões de sempre, desde os fastos parturejantes da Declaração de Princípios de 1974.

Era então jovem, um jovem JC, quando no 25 de Novembro, no terminus do PREC, os militantes dos partidos democráticos, PS, PSD e CDS, foram convidados a sair à rua para defesa dos seus valores e contenção do golpismo comunista. Coube-nos a alguns de nós ir ao Rádio Club Português, ordeiramente zelando para que essa rádio não saísse do controlo de Pires Veloso e dos militares moderados. Recordo a risota prévia com dois colegas JCs dessa missão, própria de quem estava seguro das opções feitas: “Ainda se tivéssemos escolhido o PS, talvez ainda tivéssemos dividendos a colher, mas logo escolher um partido perseguido ou mal tolerado como o nosso, é realmente de quem não faz cálculo!”

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Riamo-nos alegremente. O que nos faltava em cálculo, sobrava-nos em ideal. Não eramos socialistas nem víamos qualquer vantagem para o país no caminho para uma sociedade socialista, pelo que só poderíamos ser o que éramos e lutar pelo que, tal como hoje, nos parecia o melhor caminho para Portugal: uma democracia social avançada, baseada no humanismo personalista. Tempos difíceis esses, de tentações coletivistas, de modelo soviético, ou, na inviabilidade deste, de tentações peruanas, terceiro-mundistas, não alinhadas, sempre em rota de colisão com a conatural democracia pluralista de tipo europeu e ocidental. Tempos de acres e hoje risíveis polémicas esses, em que, em inolvidáveis crónicas do Jornal Novo, um Artur Portela tinha de explicar ao exclusivista militar MFA D. Lourençote de Melena e Pá (com resultados práticos mais que duvidosos) que não era pensável um rio que não tivesse margem direita e margem esquerda e que não era ideal um corpo truncado, apenas com o concurso da sua manus sinistra

2 O que foi a história subsequente do país e do CDS é por demais conhecido. Apesar de coagido a assinar os pactos MFA-Partidos, o CDS exigiu e obteve o reconhecimento do “estatuto da oposição” e não receou, inteiramente sozinho, não aprovar uma Constituição instrumento ideológico de caminhada para a sociedade socialista!

Entretanto o PS, como Passos Manuel em oitocentos, liderando e domesticando a onda “patuleia” enfurecida, remetia-se a uma política de juste milieu, que lhe renderia hegemonia permanente na vida política portuguesa futura: corromper pela promessa, pelo equilibrismo e pela desresponsabilização própria. Tal como no Setembrismo, a radicalidade das ideias próprias do programa do PS aparecia travestida de centrismo e moderação, para, do mesmo passo, lograr nas urnas o voto especificamente socialista democrático, mas também o voto do país profundo, moderado e conservador. Em 1976, ouvi aqui no Porto, na sede distrital de António Cândido, Francisco Lucas Pires resumir, com uma metáfora, a atitude do PS que, realmente, haveria de fazer curso e escola até aos dias de hoje. Discorria o orador: debalde julgam os senhores, à direita e ao centro, que o PS alguma vez seja capaz de ameaçar de apagamento político as forças anti-democráticas da esquerda comunista. Qual é o gato, que desejoso de se manter nas graças do dono da casa, expulsa dela por completo o rato doméstico?  É do seu interesse diminuir-lhe a notoriedade, a força e os danos, mas nunca eliminar a sua ameaça endémica, pois o gato (PS) retira a alegada indispensabilidade da sua valia no espaço doméstico – apenas e só – enquanto houver esse perigo contra o qual esgrimir, em eterna e renovada dialética, para a qual ele se apresenta como solução. Moderada e sensata…

Ninguém poderá negar uma praxe, um projeto e um papel específico honrosos ao PS na democracia portuguesa. Perante a democratização da sociedade portuguesa anterior e posterior ao 25 de Novembro, e perante a onda democratizadora na Europa, de que a queda do Muro de Berlim foi símbolo maior, o PS foi chamado a ter um papel especial, inegável e meritório. Mas mesmo Mário Soares, vacilou algumas vezes chamando a reunir o Povo de Esquerda e apelando para um frentismo de tradição republicana e antifascista, quando viu que a evolução política do país o poderia dispensar politicamente como “pai da Pátria” ou da democracia (como se sabe alheia a tutelas e exclusividades destas)!

Com António Costa, regressou em força a lógica frentista e obliterou-se a individualidade própria do PS, cultivada por Guterres e por Seguro. Cético, pragmático na venalização da oferta eleitoral, pouco se lhe deu de oferecer à extrema esquerda uma agenda cultural transformista e contorcionista, dar-lhe de bandeja o protagonismo da “cultura do cancelamento” (essa orquestrada “onda” europeia e mundial contra a qual ainda há pouco se insurgia o Papa Francisco), quando, o que lhe interessava mais que tudo, era segurar-se e equilibrar-se no poder, garantir a sobrevivência da hegemonia PS, apanhando sucessivos comboios de oportunidades que uma Europa, rica, relativamente generosa e inconsequente, sempre vai propiciando aos seus estados de economia mais estagnante, e aos menos briosos dos seus estadistas. Perdeu-se em ambos os campos: na desagregação cultural, pelas apostas ideológico-culturais esdrúxulas da estrema esquerda que o PS validou, e na economia, com o crescimento evidente da imprevisibilidade e da falta de uma planificação estratégica, de médio e longo prazo, para Portugal, e com o crescimento da dependência da população portuguesa relativamente à tutela estatal, cuja administração pouco se interessa em gerar uma sociedade civil forte e autónoma, antes vige e depende da exploração da multiplicidade e cruzamento das dependências.

Àqueles que, sumariamente, no tempo de um ai, entre esgares de boçalidade, se arrogam insultar e julgar a memória alheia, e que, contra o valor intrínseco de ideias políticas condutoras, suficientemente testadas, multiplicam uma sofisteria de agressão ou de pragmatismo cético, gostaríamos de deixar uma advertência. Sim, o CDS, transporta, desde a sua fundação, o dever de juntar os seus esforços a todos aqueles que, genuinamente, se propõem combater a exploração e a opressão do homem pelo homem. Mas, conforme exarado na sua histórica Declaração de Princípios, a exploração e a opressão do homem não são apenas as resultantes da organização económica e social dos meios de produção:

«O homem é explorado quando se sente asfixiado pelo aparelho burocrático do Estado;
O homem é oprimido quando, por qualquer modo, lhe é vedada a liberdade interior, ou a abertura ao transcendente espiritual;
O homem é oprimido quando a sua vida privada não decorre com a necessária intimidade;
O homem é explorado, a qualquer nível, quando é sujeito ao exercício tirânico da autoridade ou a imposições abusivas de minorias activistas;
O homem é explorado quando a sua consciência de pessoa é abafada pelas massas ou é objecto de manipulações da sociedade de consumo» (CDS, Declaração de Princípios, art.º 1).

Seria bem que quem, nas forças políticas recentemente emergentes, com representação parlamentar, anda agora atrás de programas, ou busca “novos” modelos de sociedade em experiências históricas – afinal – secularmente superadas, ao menos atentasse no significado e teor das linhas atrás reproduzidas, cheias de consequências teóricas e práticas! Mas, infelizmente, acreditar que, uma vez colocado em oportunidade e sede de debate político, o queira fazer, é ingenuidade que não temos, haja em vista o reiterado e recente desmentido dos factos. E muito menos se espera que o faça em sede de campanha eleitoral.

Entretanto “na ampulheta constitucional”, a sondagem continuará a funcionar como forma de condicionamento do «Povo Soberano» e o “comentariado” de assinatura fixa não terá tempo para “minudências” ideológicas dessas… Afinal, a privilegiada função de que este “comentariado” que todos os dias nos entra em casa mais sonoramente se ufana é a de ensinar à nação aquilo que ela deve pensar no fim de cada debate que acaba de ouvir. A “lição” interpretativa dos factos políticos é “apanágio” seu, e só velhos caturras como este, que aqui respeitosamente se subscreve, resmungarão contra tão clamorosas quebras de neutralidade profissional…

Mas atenção, entretanto: como se deduz das suas intervenções no tablado da história contemporânea, entre tantos desmaios e sonos induzidos, mil pequenas heroicidades quotidianas, prodígios de esforço, crises de sobrevivência, o Povo não esquece que é só ele quem é mesmo o Soberano!