Em 2007, jovem e imberbe, vim morar e estudar para Lisboa. O país vivia então os últimos anos de ilusão que, rapidamente, entre as mentiras de Sócrates e da elite socialista e a crise internacional, acabariam. Crise tornou-se uma palavra recorrente no dicionário de toda a gente e, desde então, apesar da prestidigitação de Costa durante os anos da geringonça, não mais deixou Portugal. A cidade era então muito diferente daquilo que é hoje. Penso, aliás, que mudou mais na última década, do que nas duas ou três décadas anteriores. A partir do final da tarde, no Inverno, a Baixa era um deserto. A quantidade de prédios velhos e a cair era imensa. A cena gastronómica era fraca, especialmente comparada com outras capitais europeias. Em contrapartida, o número de livrarias independentes e de cinemas fora dos multiplex era bastante maior do que é hoje. Resistiam ainda alguns bastiões da cidade, como a saudosa Tema, no fundo da Avenida, onde era possível comprar imprensa estrangeira em abundância. Hoje, restam, literalmente, meia dúzia de locais onde se consegue comprar jornais e revistas decentes.

Em 2007, nas eleições intercalares, António Costa tornava-se presidente da câmara de Lisboa, mandato que viu sucessivamente renovado até 2014, quando deu o lugar a Fernando Medina. O mandato Costa-Medina marcou um ponto de viragem na cidade. Gostaria de assinalar três pontos. Em primeiro lugar, depois de alguns anos de gestão caótica, com a câmara a passar grandes dificuldades financeiras, António Costa conseguiu sanear a dívida da câmara. Manda o rigor histórico que se diga que apenas o fez devido a Passos Coelho que pagou à câmara municipal o valor devido pelos terrenos do aeroporto. Em segundo lugar, a crise de 2011 criou fortes incentivos na economia de especialização numa monocultura do turismo. Naturalmente, esta alteração estrutural teve efeitos perniciosos na economia do país, tornando-a mais débil, dependente de flutuações do mercado estrangeiro e pouco competitiva no geral. No entanto, para Lisboa foi altamente benéfica, nomeadamente com uma injecção de capital para remodelar imensos edifícios, a abertura de restaurantes e lojas. O mérito não é de Costa-Medina. Simplesmente, eles estavam à frente da câmara quando a mudança estrutural aconteceu. No entanto, só um néscio pode dizer que não é mais agradável passear e estar em Lisboa hoje do que em 2007. Em terceiro lugar, a dupla Costa-Medina fez um conjunto de obras que, em minha opinião, beneficiaram grandemente a cidade, começando pelas obras à beira-rio, passando pela abertura de inúmeras praças e espaços verdes e a feitura de ciclovias em grandes artérias como a Avenida da República.

É certo que também houve erros durante a gestão Costa-Medina. Por um lado, houve um claro esquecimento da cidade para além da fachada que os turistas veem e onde, de resto, mora a classe média-alta. Saindo dos eixos centrais, a cidade continuou pobre, suja e abandonado. Por outro lado, Lisboa sofreu com os cortes nos transportes públicos feitos nos anos da troika dos quais nunca mais recuperou. Andar de metro em Lisboa é risível com tempos de espera infinitos. Para além disso, a crise da habitação, hoje, provavelmente, o problema mais importante de Portugal, aumentou de forma exponencial durante o mandato Costa-Medina.

Foi neste contexto que Carlos Moeda ganhou, surpreendemente, a câmara. Confesso que, na altura, fiquei com alguma esperança de que Moedas pudesse fazer um bom mandato. Havia muito para fazer. A primeira prioridade seria conseguir articular uma política de habitação que conseguisse evitar que a cidade não se torne (completamente) num parque de diversões, onde apenas moram os ricos e os turistas. É certo que, para tal, precisa da ajuda do governo e de financiamento do estado central. A segunda prioridade, é a melhoria da cidade que fica para lá da cortina, isto é, a cidade onde os turistas não vão e que continuam num declínio forte. Em terceiro lugar, Moedas precisava de lançar uma ideia ambiciosa sobre os transportes públicos, com um plano a dez ou quinze anos, articulando financiamento europeu e do estado central. Cristas fê-lo em 2017 com a proposta de 20 novas estações de metro, que foi recebida entre risadas. Esta proposta faz todo o sentido e poderia alterar completamente as dinâmicas dentro da área metropolitana.

No entanto, aqui chegados, passado mais de um ano da liderança de Moedas, o que se ouve na Praça do Município é um silêncio ensurdecedor. Moedas não aparenta ter uma ideia para a cidade. Não há um plano de médio prazo. É certo que Lisboa é sempre um presente envenenado. A liderança da câmara é, muitas vezes, confundida como um trampolim para voos mais altos. Quanto ganhou a câmara, Moedas parece ter começado a planear o passo seguinte, em vez de concentrar-se em ser um bom presidente da edilidade. De resto, o seu discurso no último 5 de Outubro, é bem demonstrativo de que utiliza o palanque local para se dirigir a uma (suposta) audiência nacional. A continuar assim, Moedas corre um risco muito sério de perder as próximas eleições locais. Se nada mudar, merecerá ser punido pelos eleitores.

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