E eis que o fogo voltou à Serra da Estrela. Recordo que no final da semana passada António Costa referiu que este incêndio deve ser estudado “em pormenor” após terminar. O que é um problema. Porque a julgar pela, de novo, manifesta inoperância dos meios disponíveis para pôr cobro a mais esta calamidade, o tal estudo pormenorizado deverá ficar pronto lá para 2028. Altura em que Costa estará já confortavelmente instalado num gabinete para aí em Bruxelas, onde a única coisa em risco de lhe arder serão mesmo as orelhas. O que apesar de ainda ser aborrecido – reconheço – pelo menos pode resolver-se sem necessidade de recurso a Canadairs. Basta um chapinhar rápido, em princípio.

Enquanto tal não sucede e é a Serra da Estrela que continua a queimar, o Primeiro-Ministro diz-nos, mais em detalhe, que é importante perceber o que foi acontecendo ao longo da fita do tempo e poderia ter acontecido de forma diferente para evitar que ganhasse esta dimensão”. Eu também acho relevante saber o que foi acontecendo ao longo da “fita do tempo”, não me interpretem mal. Mas do que me parece que Costa está mesmo necessitado não é da tal fita do tempo. É mais do Cogumelo do Tempo. Aquele soberbo suplemento vitamínico que confere protecção às células e é um aliado contra o envelhecimento. É que passados cinco anos do incêndio de Pedrogão Grande, estas desculpas do Primeiro-Ministro para o incêndio na Serra da Estrela tresandam mesmo a velho.

Razão têm aqueles que assinalam como Camões captou a essência do povo lusitano. Dizia o poeta que “amor é um fogo que arde sem se ver”. Definindo magistralmente, de uma só penada, o amor e o flagelo dos incêndios. O amor é o tal fogo que arde sem se ver. E o fogo é de que tipo? É um fogo que arde sem se ver, nem o assumir de qualquer responsabilidade, nem o retirar de qualquer ilação política. Incrível, o poeta. Quase dá vontade de lembrar aquele dito, tão amiúde escutado na escola preparatória, segundo o qual “Camões, poeta zarolho. Fez um verso a dona Inês. Via ele mais com um olho do que tu com os teus…” Quase merecia relembrar esse dito.

De volta ao século XXI (embora, de repente, pareça mesmo o Pleistoceno Médio, por estarmos ainda tão longe de dominar o fogo), o outro facto político da semana foi a deslocação de automóvel do Presidente da República de Lisboa a Viseu. Por favor, não levem a mal o aparente desdém na introdução do tema. Aliás, o desdém é mesmo efectivo e não apenas aparente. Sabem qual é o problema? O problema é eu ainda ser do tempo em que as viagens de que se falava eram tipo as Vinte Mil Léguas Submarinas, ou a Viagem ao Centro da Terra, ou algo desse calibre. Convenhamos que, ao pé destas epopeias épicas, um Lisboa-Viseu via A1 e A25, que não excluo poder ser interessantíssimo, atenção!,  não entusiasma muito.

Bom, mas lá foi Marcelo Rebelo de Sousa no seu automóvel até Viseu, quatro horas à conversa com a jornalista da CNN Anabela Neves. Quatro horas, ouviram bem. Tudo filmado por uma colecção de câmaras dentro do carro. Digamos que o veículo do Presidente parecia um bocadinho uma mistura de táxi, em que o chofer não se cala a viagem toda, com TVDE. Acrónimo que ainda não percebi o que significa mas que, a julgar por este caso, talvez seja algo do tipo Televisão-Dependente, ou assim, não sei.

E porque a road trip foi tão longa, houve tempo para Marcelo e Anabela falarem de imensos temas. Sem surpresa, o ponto mais interessante da conversa acabou por não ter nada a ver com política. Teve a ver, antes, com economato. Foi aquela altura em que o Presidente da República disse que o Primeiro-Ministro era “um mata-borrão”. Por acaso achei bem visto. Tendo em conta que quase tudo o que António Costa diz tem o intuito de esmifrar o contribuinte, Marcelo acaba por aludir, com muito a-propósito, à parelha que ele próprio e António Costa formam em que um diz mata-borrão e o outro diz esfola cidadão.

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