No final de 2021, nas vésperas de uma inesperada guerra na Europa, a Polónia aproveitou uma visita da nova chefe da diplomacia alemã, para propor a retoma de conversações sobre indemnizações a pagar pela Alemanha em virtude da invasão, ocupação e destruição causada durante a II Guerra.

Acontece que em 1953, a Polónia renunciou às reparações de guerra através de um tratado com a Alemanha Oriental, a então RDA. Tendo a RDA sido dissolvida e o seu território integrado na Alemanha Federal em 1991, a Polónia continua vinculada ao tratado que assinou ou não? Um bom assunto para os juristas nunca resolverem.

Quando surgiu a crise do euro em 2008 e foram exigidos, nomeadamente pela Alemanha, grandes sacrifícios aos países endividados do sul da Europa, a Grécia prontificou-se a discutir com os alemães a conta corrente entre os dois países, como consequência da ocupação nazi da Grécia também durante a II Guerra. Ficou tudo, como se diz, em águas de bacalhau, ou porque era só uma piada ou porque mais provavelmente, a sua viabilidade era muito duvidosa. Como o direito a estas compensações de guerra não prescrevem, em boa verdade Portugal ainda pode reclamar à França, compensações pela devastação e pelos roubos de património nacional, cometidos durante a invasão e ocupação das tropas napoleónicas no início do Séc. XIX. Se visitarem o Palácio Nacional de Mafra e se surpreenderem com o parco mobiliário e pintura que contém, dir-lhe-ão para procurar em França aquilo que falta.

Pode acontecer que esteja a escapar algum caso mais recente, mas a derradeira notícia de uma compensação de guerra paga integralmente pelo vencido ao vencedor, ocorreu após a guerra franco-prussiana de 1870. Nesse caso, a vitória da Prússia – Estado que tinha sido agredido pela França, note-se – resultou para o agressor vencido nos termos do Tratado de Frankfurt em 1871, no pagamento de uma compensação de 5000 milhões de francos em ouro, que o agressor cumpriu, pois os soldados prussianos só saíram de França com o pagamento da última prestação.

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Não existe informação segura sobre quanto pagou o Iraque em petróleo, como compensação pela invasão do Kuwait em 1991.

Na verdade, nos Tratados que estabeleceram compensações em guerras europeias posteriores, ou foram pagas parcialmente ou não foram simplesmente pagas. o Tratado de Brest- Litovsk de 1918, que obrigava a Rússia a pagar indemnizações à Alemanha foi repudiado pelos bolcheviques, o Tratado de Versailles de 1919, não foi cumprido pelos vencidos e sabe-se as nefastas consequências que teve nos anos do pós-guerra. Após a derrota da Alemanha nazi na II Guerra, mais racionalmente, apesar do enorme valor de compensação que saiu da Conferência dos Aliados de Potsdam em 1945, as compensações devidas pela Alemanha foram pagas essencialmente em géneros. A Alemanha vencida e devastada nunca as poderia satisfazer de outro modo. Assim, russos, americanos, ingleses, franceses e belgas, nomeadamente, desmontaram fábricas, transferiram equipamentos, apropriaram-se de tecnologia, “recrutaram” o conhecimento científico alemão e mobilizaram os prisioneiros de guerra e civis, para trabalhos de reconstrução dos seus próprios países, mas em condições menos desumanas, que os nazis haviam feito com os nacionais desses países quando estavam na condição de ocupantes.

A partir de 1950 e tendo como única opção realista ajudar os vencidos, sob pena de nunca mais haver paz na Europa, primeiro com o Plano Marshall e a seguir com o Tratado de Roma, chegou-se à melhor forma possível de superar os traumas do passado recente, para que, pelo menos a geração seguinte, pudesse viver melhor. Isso veio sem dúvida a suceder e ainda hoje vivemos razoavelmente na Europa e sem guerras (salvo a dissolução da Jugoslávia na década de 90) à sombra dessas decisões sábias de vencedores e vencidos II Guerra.

Com a invasão da Ucrânia pela Federação Russa em Fevereiro, face à enorme devastação já causada e com um desfecho incerto, voltou ao debate a questão das compensações de guerra.

A analise realista e desapaixonada desta questão, obriga a considerar todas as opções de desfecho. No entanto, vamos aqui considerar apenas a hipótese de uma vitória da Ucrânia, com retirada das tropas russas de todo o território, a única em que se poderia considerar a viabilidade de estabelecer em teoria, compensações exequíveis. Apesar da vitória ucraniana ser uma hipótese muito académica, dada a enorme diferença de recursos de cada parte, ainda ficaria por saber, como impor à Rússia a obrigação de pagamento de compensações. Não se deve confundir a imposição de sanções, que já existem, com o pagamento de compensações e indemnizações, que é algo bem diferente.

O pagamento de compensações implica que o Estado agressor reconheça que é responsável pela guerra, que a desencadeou sem motivo e que é ele próprio a causa da devastação causada. Será crível obter isso da Rússia, mesmo que desista da ocupação da Ucrânia e que se retire?

Esta questão das compensações de guerra, pode e deve conduzir-nos a uma reflexão mais abrangente, a qual os dirigentes políticos e os próprios comentadores especializados evitam colocar, quanto mais responder: Que outra coação para além das sanções económicas, se pode tomar contra um Estado que possui armamento nuclear? Melhor dito, contra um Estado que possui a capacidade de assegurar a destruição mútua face a qualquer atacante?

Em 1 de Setembro de 1939, o então Império Inglês e a República Francesa, deram um prazo à Alemanha nazi para retirar da Polónia, sob pena de passar a existir um estado de guerra entre esses países. A Alemanha não respondeu e iniciou-se os seis anos brutais que iria durar a II Guerra. Em 1991, o mesmo foi declarado ao Iraque se não abandonasse o Kuwait, retirando as suas tropas invasoras. Sadam não retirou, o Iraque foi invadido e perdeu a breve I Guerra do Golfo. Mas nenhum dos agressores alvo dos ultimatos, tinha armamento nuclear, apesar de em épocas muito diferentes, bem o tivessem tentado.

Hoje nove países possuem armamento nuclear. Portanto, sobre compensações de guerra, o mais avisado é seguir este ancestral postulado: Não fazer perguntas para as quais não existe resposta.