O projecto de construção europeia surgiu para, com ajuda da NATO, manter a paz na Europa e combater o comunismo. Alcançados os dois objectivos, a União Europeia tornou-se num pretexto para os europeus recuperarem preponderância mundial. A UE seria um bloco equidistante dos EUA e da China, além de conter uma Rússia economicamente frágil. À primeira vista o plano parecia lógico e ter pernas para andar. Se atendermos aos detalhes, veremos que nem por isso.

O continente europeu é um aglomerado de povos com línguas diferentes e um passado conflituoso. A Europa não é una como os EUA, que dominaram de costa a costa um continente deixado à sua mercê, nem como a China cujas guerras violentas foram travadas dentro das suas fronteiras. Enquanto na Europa o desenvolvimento se deveu à divisão e à diversidade, na China o poder central aglutinou as diferentes culturas que simultaneamente invadiram o império e o quiseram dominar. O que a Europa dividiu, a China uniu. Já os EUA construíram de raiz.

Perante este dilema os fundadores do projecto de construção europeia tinham noção que a democracia não era possível (Jean Monnet nunca foi eleito por voto popular). Esta falha não foi problemática enquanto as instituições se cingiram ao controlo do carvão e do aço alemão, mas já terá sido relevante no chumbo da Comunidade de Defesa Europeia prevista, em 1952, para conter um possível rearmamento alemão.

Desde então a construção europeia atolou nas tais divisões que marcam o nosso continente. Até a ideia de um mercado único foi sendo travado pelos franceses. A França, que era (é) proteccionista,  não permitia que a Alemanha enriquecesse mais que ela. Quem pôs termo a este impasse foi (pasme-se!) Margaret Thatcher. Foi a Primeira-Ministra britânica quem, em nome de um mercado aberto e livre, pressionou a CEE a assinar o Acto Único Europeu e transformar o continente numa grande área de comércio sem barreiras. O crescimento económico que daí adviria seria o suficiente para que cada Estado-membro tirasse os seus proveitos e recuperasse (à sua maneira) o seu papel no mundo. Como o Reino Unido e a Alemanha acabaram por fazer.

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O Acto Único Europeu foi assinado em 1986 quando a ameaça soviética ainda era evidente e a Europa necessitava de crescimento económico para a enfrentar. No entanto, a partir de 1989 este cenário mudou. Com a queda da URSS e a unificação alemã a realidade europeia alterou-se drasticamente. A Alemanha tornou-se no centro da Europa. A França, em mais uma tentativa de aplacar o vizinho todo-poderoso, achou por bem criar uma moeda única baseada no marco. Foi a forma que Mitterrand (a ambiguidade em pessoa) considerou como necessária para segurar os Alemães e alastrar a sua riqueza pela Europa. Mitterrand temia também que a união da Alemanha destronasse Gorbatchov e a Rússia voltasse a ameaçar a Europa. Independentemente das razões do presidente francês serem ou não correctas, a partir deste momento o projecto europeu descambou.

Margaret Thatcher não aceitou que o Reino Unido aderisse à moeda única europeia pois não queria que as decisões orçamentais britânicas fossem tomadas a partir de Berlim, em substituição do Parlamento britânico. No seu entender, a força económica da Alemanha condicionaria a política monetária (e o sucesso económico de Thatcher deve-se ao monetarismo), tal como a diversidade de interesses nacionais condiciona a democracia das instituições europeias.

A crise de financiamento que se abateu sobre Portugal em 2011 comprova os avisos de Thatcher. O drama português é que, ao contrário dos Britânicos, não podemos descartar a UE, nem o Euro, tão pouco Bruxelas e, acima de tudo, Berlim. Um breve olhar pelos últimos 200 anos da nossa história torna evidente o quanto precisamos de um controlador externo. A soberania portuguesa está em risco, não devido ao euro, mas à má governação. É o sabermos que a alternativa será bastante pior, a par do dinheiro de borla que remetem para cá, que nos faz querer estar na UE. Não é qualquer estado de alma superior com vista à criação de um paraíso na Terra. Mero interesse.

Tal qual o interesse francês em manter a Alemanha por perto e o interesse alemão na sua defesa perante a URSS e na generalização do uso da sua moeda no continente. Não havendo outra cola que não o interesse a uni-la a UE termina quando o desinteresse se instalar. Melhor: quando o ganho na saída compensar a perda. Foi esta a equação que o Reino Unido fez no Brexit, como em Julho de 2019 escrevi sobre o benefício da dúvida que devíamos conceder a Boris Johnson. É esta contabilidade que, para mal dos nossos pecados, os Alemães podem começar a fazer. Ao ver os EUA e os Britânicos a dizerem adeus à pandemia, a Alemanha foi quem mais perdeu com a decisão de concentrar na Comissão Europeia a compras das vacinas contra a Covid-19.

Também aqui o problema alemão é preocupante. Contrariamente a Londres, Berlim não tem ligações linguísticas com outros parceiros internacionais fora da Europa. O dilema de Bismarck foi aquele de que Adenauer quis fugir. O futuro da UE é uma incógnita. A nossa esperança pode ser que a Europa se torne suficientemente fraca para que as potências externas não admitam grandes agitações. Até lá falta ver se os interesses que colaram a união se mantêm suficientemente fortes para a fazer continuar.