“A expressão ‘reformas estruturais’ arrepia-me. Qualquer cidadão normal fica logo alérgico.”
António Costa, 4 de abril de 2017, Rádio Renascença

1 António Costa conseguiu algo impensável: uma maioria absoluta que lhe permite executar um programa como quiser e entender. E quando pensávamos que Costa iria finalmente revelar-se, formando um Governo com alguns dos melhores do país em cada área, eis senão quando o primeiro-ministro prova que o seu modo “alérgico” face às “reformas” é algo definitivo.

A personalidade política de Costa sempre foi marcada por uma grande dificuldade em rodear-se de pessoas que lhe consigam dizer que pode não estar certo. Costa prefere os indefetíveis (mesmo que medíocres) aos independentes (mesmo que façam parte dos melhores). E é por isso que, em 17 ministros, escolhe 11 dirigentes do PS. Se formos aos 38 secretários de Estado, a proporção aumenta.

Dos sete ministros independentes do Governo, há uns que não honram propriamente o estatuto. Pedro Adão e Silva é claramente um deles. Por outro lado, João Gomes Cravinho, Ana Abrunhosa, Catarina Sarmento e Castro vêm do governo anterior e Costa e Silva já colaborava com Costa na elaboração de uma estratégica para o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Apenas Elvira Fortunato e Helena Carreiras são claramente surpresas e não estão ligadas ao PS.

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Em suma: este é um Governo ao serviço do partido — precisamente o oposto do que o país necessita.

2 Com o afã de cumprir a sua promessa de reduzir o tamanho do Executivo, António Costa cometeu diversos erros que poderiam ser evitados se tivesse olhado para o passado, nomeadamente para o Governo Guterres.

A dada altura do seu caminho como primeiro-ministro, António Guterres decidiu dar muito mais poder a Joaquim Pina Moura e João Cravinho (pai de João Gomes Cravinho), elevando ambos à categoria de super-ministros. Assim, Pina Moura, um ex-comunista e um ex-delfim de Álvaro Cunhal, acumulou as pastas das Finanças e da Economia no segundo Governo Guterres, enquanto que Cravinho tinha sido o Super-MEPAT — o ministério que recebeu Transportes, Habitação, Planeamento e Administração do Território no primeiro Governo Guterres.

Moral da história: Cravinho e Pina Moura perceberam rapidamente que aquelas promoções não eram mais do que presentes envenenados. Com excesso pastas, os ministérios eram simplesmente ingeríveis e os ministros transformaram-se mais em bombeiros de serviço que apagavam fogos, do que em ministros com uma visão estratégica integrada das suas pastas. O caso mais dramático acabou por ser o de João Cravinho, que saiu sem honra nem glória do Super-MEPAT.

É precisamente este o perigo em que incorre Mariana Vieira da Silva. Não está em causa a sua capacidade mas sim o contexto em que a ministra da Presidência está inserida. Acumular todo o trabalho de coordenação legislativa do Executivo com o acompanhamento profundo sobre a execução dos fundos europeus do PRR e ainda ter a Administração Pública sob a sua alçada — tudo isto é muito trabalho para uma pessoa só.

3 Luís Marques Mendes e Paulo Portas davam corpo às vozes que, mal descobriram que António Costa iria ter sob a sua alçada direta a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, regressaram às velhas teses de que o primeiro-ministro quer ir para presidente do Conselho Europeu em 2024/2025, após o fim do mandato do belga Charles Michel.

Como não consigo vislumbrar o que poderá acontecer daqui a dois anos, só posso dizer que tenho sérias dúvidas. Mesmo. Costa abandonará um governo de maioria absoluta a meio do mandato? E, mais importante do que tudo, desistirá de ultrapassar Cavaco Silva como o primeiro-ministro que mais tempo esteve no Governo? Não acredito.

Costa não reformará um décimo e, mais importante do que tudo, nem apresentará os resultados minimamente semelhantes em termos de desenvolvimento económico e social promovidos pelos governos cavaquistas. Mas ficará na história. É o que basta para um político como Antóni0 Costa.

4 O novo Governo é anunciado quando o Eurostat confirmou que a Polónia e a Hungria ultrapassaram Portugal no ranking dos países com melhor PIB per capita da União Europeia. Não é propriamente uma grande surpresa. Em 2015 já tinha ultrapassado pela Estónia, Lituânia e Eslováquia e, tendo em conta as fortes taxas anuais de crescimento daqueles países, já se previa que polacos e húngaros iriam ficar à nossa frente.

Ou seja, neste momento só a Roménia, Letónia, Croácia, Eslováquia, Grécia e Bulgária estão atrás do nosso país. Portugal está a 26% do poder de compra da média da União Europeia mas a distância face à Roménia e a Grécia é muito curta: varia entre os 27% e os 35% da média europeia. E Portugal continua a crescer menos do que muitos daqueles países.

O grande foco das políticas públicas deveria ser como impedir esta queda vertiginosa para a cauda da UE, ficando par da Bulgária. O grande problema é que a população não parece muito interessada em ouvir soluções para recuperarmos o caminho do crescimento claro e sustentado.

Ou melhor, ao dar uma maioria absoluta a António Costa, os portugueses concordaram com a estratégia de alocar à administração pública uma boa parte dos 50 mil milhões de euros que vamos receber da UE nos próximos anos. O PS quer fazer do Estado o centro do investimento de fundos europeus que deveriam servir para modernizar o tecido produtivo do país, promovendo o milagre de que o crescimento económico sustentado virá por temos mais Estado e mais funcionários públicos, em vez de termos empresas mais competitivas, mais exportadoras e com maior quota do mercado internacional.

Substituindo a máxima de que são as empresas a criar a riqueza pela nova tese de que é o Estado que gera e distribui a riqueza pela comunidade vai custar-nos muito caro. Quando estivermos próximos da Grécia e da lanterna vermelha da UE chamada Bulgária é que os portugueses perceberão de que esta receita económica do PS é uma perigosa falácia que em vez de gerar riqueza, promoverá o empobrecimento relativo do país.

5 De acordo com um estudo pós-eleitoral do ISCTE e do Instituto Ciências Sociais publicado no Expresso, cerca 12% dos eleitores que votaram PS estão desagradados e muitos deles decidiram o sentido de voto à última hora. Um dado que indicia que a maioria absoluta socialista além de tardia foi mesmo involuntária. Um dado a reter para o futuro e para cruzar com outras sondagens.

Há um facto incontornável que se coloca em todas as maiorias absolutas: a corrupção e o abuso de poder tendem a aumentar. Um Executivo dominado pelo partido governamental terá menos capacidade de luta contra essa realidade incontornável. Se isso se verificar, os 12%  de arrependidos com o seu voto terão um crescimento exponencial.

Texto alterado às 11h18m